Rosilda da Silva, de Joinville, é a autora do conto desta semana. Ela também é professora e poetisa, pós-graduada em literartura brasileira e autora do blog: www.lendoeuaprendo.blogspot.com.br

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Lembranças libertinas

Movida pela paixão reinventei-me e, moldada pelo teu fogo nova mulher hoje sou; mais forte, lasciva e ardente; exercendo bondades dantes nunca vistas, incendiando com labaredas outros desejos.

Acusada de namoradeira fui escorraçada da pequena vila onde morava. Diziam por lá que roubava dos homens o juízo e jogava dúvidas nas mulheres senhoras. Tornei-me perdição. Curvas generosas; pele macia; os olhos, brasa ardente e as mãos, sabedoras de tantas coisas, eram de arrepiar. Meu número preferido era sempre o das mãos. Me provocava acariciando o próprio corpo. As mãos passeavam namoradeiras por minha geografia corpórea, encontrando montes, vales, planícies e até as regiões mais úmidas, das cavernas e fontes termais, quentinhas e convidativas…

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Refém de mim mesma, ausentava-me do mundo. Desse mesmo mundo que me arrancou o riso, depois os sonhos e por fim as palavras… Deixando somente as lágrimas para me expor até a alma. Como bruxa, feiticeira ou mulher pagã, minha beleza lançava encantamentos e tornava prisioneiro qualquer virilidade que por mim passasse. Com ternos olhares contemplava nos homens aquilo que de mais belo havia e que na maioria das vezes em segredo ficava. Provocava inquietações e deixava na cama uma ausência doída, que pedia e implorava por um pouco mais. Nas reentrâncias da vida quanto mais mostrava meu corpo mais segredos surgiam… Era como um raro tesouro que a todos agradava presentear e receber. E que tesouro! Seios fartos, que se exibiam prazerosamente como um adereço precioso para acender até as fogueiras mais apagadas.

Ao menor toque já se punham em prontidão, lânguidos, cheios de promessas e prontos para acalmar tempestades e controlar vendavais. Muito além do que se pode imaginar, esses toques másculos eram esperados sofregamente. A partir deles as portas para outro mundo se abriam. Repleto de curvas, prazeres e posições que só as noites mais tórridas são capazes de explicar.

Durante as visitas que tão calorosamente recebia perdia a noção do espaço, do tempo e das boas maneiras. Tornava-me menina má. Sem modos, sem roupas, sem pudores. Adorava ser observada, desejada, tocada e possuída. E, com uma força propulsora que sustentava minha leveza de corpo e espírito, revelava contribuições inimagináveis para esses momentos.

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A boca, um verdadeiro vulcão, proliferando desejos e dominando até as mais remotas proezas, jamais poderá ser reinventada. Ia muito além do que sabia e devia fazer. Era também toda sorrisos e mel, agregando sempre mais conhecimentos e funções. Era com ela que além das provocações que oferecia também pedia por mais. Envolvia, enfeitiçava e abocanhava o que sentia ser meu… Só meu, naquele momento, todinho meu. Em uma posição privilegiada registrava imagens espelhadas daquele belo rosto e daquele corpo majestoso que em minhas armadilhas foi laçado. Tínhamos o infinito como tempo e nenhuma restrição em nossos corpos. Fazia para meu convidado ensaios provocativos e avançava sinais na intimidade.

Acertava roteiros para as viagens mais loucas entre quatro paredes e encontrava lugares nacionais e até internacionais onde a língua não servia apenas para falar, mas tornava-se um ícone clássico e gracioso, uma intrusa abusada que consumia grande parte do tempo em excursões que promoviam o começo do tão esperado fim. De sabor insuperável, o néctar que ela estimulava, era todo devorado.

Não havia espaço para abordagens minimalistas. Sempre fui assim, gulosa e possessiva. Descobrir uma nova maneira de ser parecia-me impossível, mas me fascinava a ideia de ampliar minhas experiências, tornar melhor o que já era considerado maravilhoso. Não admitia a possibilidade de fazer o que quer que fosse como rotina, um ato mecânico ou sem paixão. Pra mim, meu trabalho era minha paixão e por isso não tirava as roupas simplesmente. Despia-me delas como um ator quando incorpora sua personagem, sem pressa alguma, com cautela, esmero e seduzindo em cada gesto, desde o primeiro visitante até o último de cada dia.

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Aqueles que me procuravam não queriam apenas sexo. Buscavam o melhor de mim, as promessas não satisfeitas, os sonhos que não conseguiram realizar, as expectativas que ruíram, o equilíbrio das forças que perderam. Restituía-lhes tudo isso e avançava em ritmo acelerado, pois o frenesi causado pelo meu corpo galopando suas incertezas era uma mostra clara de que não havia truques ou fingimentos. O que vivia naquele momento era real, intenso e fervilhava de desejo.