Impactada com o pedido de respeito que os ciclistas de Santa Catarina têm emitido, refletido em reportagem especial do Diário Catarinense deste domingo, a leitora e ciclista Patrícia Barcellos enviou um relato interessante ao jornal. Ela e seu marido, Maury Alexandre Vieira dos Santos, acabam de percorrer, de bicicleta, 1.560 quilômetros, de Florianópolis até o Rio de Janeiro. A descrição proporcionada por Patrícia, tecnóloga em hotelaria, pode servir ao mesmo tempo de estímulo a outros, mas especialmente de alerta, pois ela se mostra desanimada “com a falta de estrutura que dê suporte ao esporte e ao lazer” via bicicletas no país. Para o DC, o relato cumpre também o objetivo de abrir mais espaço aos leitores, em especial quando eles trazem não apenas percepções, mas principalmente informações quer podem servir aos nossos públicos.
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Leia a carta de Patrícia Barcellos:
Chegando a Florianópolis, depois de um mês de férias, a primeira notícia que recebemos, via rede social, é a de mais uma morte por atropelamento de ciclista. No DC dominical, a matéria sobre as bicicletas fantasma, estampada na capa. É triste reconhecer que em Florianópolis acontece esse tipo de acidente de trânsito. Meu marido é carioca e mora em Florianópolis desde 2007. Eu, de Porto Alegre, estou na Ilha desde 1995. Tenho duas filhas que nasceram aqui e adotamos a cidade, como muitos cariocas e gaúchos, como nosso chão. Ficamos tristes de saber que a Ilha, com tantos encantos, começa a entrar nessa estatística de mortes por atropelamento. Esta notícia, em especial, nos abala porque também gostamos de pedalar. Continua depois da publicidade Eu utilizo a bicicleta como meio de transporte em duas ou três vezes por semana, durante o ano, e quase todos os dias na temporada, vou de casa ao trabalho (de Jurerê a Cachoeira do Bom Jesus – 10 quilômetros) de bicicleta. Além disso, gostamos de treinar longas distâncias e giramos durante horas pela Ilha nos dias de folga, além dos treinos semanais, que incluem a SC-401 (com partes ainda precárias). Conversamos muito durante os percursos sobre os pontos positivos e os negativos de algumas vias. E somos solidários àqueles que protestam por melhorias. No dia 3 de agosto, pegamos nossas bicicletas, devidamente munidas com alforjes e suprimentos, e fomos concretizar um projeto idealizado no ano passado: ir de bicicleta de Florianópolis ao Rio de Janeiro. Em 18 dias concluídos 1.560 quilômetros. Tranquilamente, sempre pelo litoral, seguimos até Porto Belo e depois até São Francisco do Sul. Pegamos a balsa e fomos para Guaratuba (PR). Mais uma balsa para conhecer a Ilha do Mel. Dali, tentamos descobrir uma maneira de chegar de barco até Cananeia, que era nosso roteiro principal, mas diante das adversidades e informações desencontradas, mudamos o percurso e voltamos por Paranaguá, para ir até Morretes. Subimos a maravilhosa Serra da Graciosa com seus 20 quilômetros, estrada de paralelepípedos e visual alucinante. Seguimos pela Régis Bittencourt (BR-116) até Registro (SP) e, dali, descemos para o litoral até Peruíbe. Continua depois da publicidade De Peruíbe, passando por Praia Grande, Santos, Guarujá, até Bertioga, tivemos a grata surpresa de uma maravilhosa ciclovia em toda extensão do percurso. Santos é um exemplo de ciclovia muito bem delimitada e sinalizada, além da educação, tanto de ciclistas e pedestres, quanto de motoristas. De Bertioga entramos na linda Rio/Santos e seguimos pela intacta e preservada Serra do Mar. Beleza tropical exuberante do Brasil (de um lado, a Serra, de outro o mar azul-esverdeado). Logo depois de cruzar a divisa São Paulo/Rio de Janeiro, chegamos a Paraty (RJ), sempre seguindo esta estrada até a entrada da Avenida Brasil. Já dentro da cidade do Rio de Janeiro, seguimos pela estrada de Santa Cruz, até a Barra da Tijuca, e continuamos pelo litoral fluminense até pegar a barca para Niterói. Encaramos a turbulenta e desorganizada hora do rush do Centro de Niterói e seguimos em direção ao ponto final de nossa viagem, a 30 quilômetros de Niterói. Viagem concluída com sucesso e sem acidentes. Só três pneus furados. Conhecemos e conversamos com pessoas incríveis pelo caminho. Histórias surpreendentes de hospitalidade e generosidade. Sentimos o carinho e atenção de quem passava por nós. Raros os momentos de tensão por causa de caminhões e carros, pois na sua totalidade, os motoristas respeitavam e afastavam, ou diminuíam a velocidade. Continua depois da publicidade Com prudência e determinação nos organizamos para dormir uma noite em cada lugar, sempre saindo por volta das 9h. Foco na próxima cidade pré-determinada, mas sempre cientes de pedalar até as 17h ou 17h30min, para não transitar à noite. Como referência, um guia que nos indicava as distâncias entre pontos. No entanto, estávamos sujeitos às dificuldades do percurso (terrenos planos, subidas, descidas, estradas de chão ou asfalto). Poucas vezes, transitamos à noite, mas sempre com boa sinalização, o que garantia nossa segurança. Concluindo, como casal, o desafio da convivência diária, que amadurece, estabelece novos rumos ao relacionamento, cria vínculos, sintoniza. Como cicloturistas, um pouco desanimados com a falta de estrutura que dê suporte ao esporte e ao lazer. No entanto, surpresos com alguns lugares tão adiantados neste sentido, como a orla de Santos. Como indivíduos, satisfeitos pelo desafio. Projeto idealizado, sonhado, estudado e concluído. Um desafio pessoal, gratificante. De compartilhamento com os amigos e familiares, que nos apoiaram, duvidaram e depois, se admiraram. Continua depois da publicidade E a conclusão de que longe é um lugar que não existe. E que não existem obstáculos que não possam ser vencidos. Um dia de cada vez. Um passo na frente do outro com saúde, determinação e foco. Curtir o momento, o visual, as pessoas que vamos acrescentando a nossa teia. E as histórias que vamos escrevendo na nossa vida e na das pessoas que conhecemos. O desejo de que sejam realizadas melhorias de suporte ao cicloturismo, com ciclovias e espaços bem delimitados e sinalizados. Que campanhas sejam realizadas no sentido de orientação e divulgação das leis de trânsito para que haja harmonia entre todos, e menos acidentes.
Confira o percurso feito pelo casal: