O professor de francês corrige minha pronúncia na canção La Vie em Rose, eternizada na voz de Edit Piaf. Mostra-me outra música que ele adora, Belle, do musical Corcunda de Notre-Dame inspirado na obra de Literatura Clássica de Victor Hugo publicada em 1831, Notre-Dame de Paris.
Continua depois da publicidade
Cita poetas e filósofos do Iluminismo. Explica pacientemente que o francês é uma língua formal, polida. Um francófono, ao abordar um estranho na rua, saúda, pergunta como vai e só então pede uma informação. N’est-ce pas? É um professor importado da Sorbonne? Não, é um refugiado do Haiti, bien sûr.
O Haiti é o país mais pobre da América. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0,404. Cerca de 60% da população é subnutrida. Mais da metade vive abaixo da linha de pobreza, com menos de US$ 1,25 por dia. Se isso já não fosse o suficiente, em janeiro de 2010 um terremoto de magnitude 7,0 na escala Richter devastou o país, deixando 220 mil mortos, 300 mil feridos, 1,5 milhão de desabrigados.
Nesses três anos, mais de 5 mil haitianos chegaram ao Brasil. 200 estão na região de Balneário Camboriú. A maioria fez uma verdadeira Via Crucis na mão de coiotes, após deixar a família, passando pelo Panamá, República Dominicana, Equador, Peru, para chegar ao Brasil pelo Acre.
Continua depois da publicidade
No caminho, são explorados, chegam somente com a roupa do corpo, inseguros, desprotegidos, sujeitos a violências, desamparados, deprimidos, sob impensável estresse. Recebem uma carteira de trabalho e um CPF, o que dá a esperança de uma vida melhor, de poder trazer o restante da família ao Brasil. Um homme qui se noie s’accroche à n’importe quoi.
Eles são os negros invisíveis, que vivem à margem da sociedade, na busca da inserção no mercado de trabalho. Não podemos banalizar o olhar, ignorá-los. São seres humanos muito sofridos, num país estrangeiro.
Harold Cine, 35 anos, meu professor de francês, é alto, sorridente, simpático, magro, saudoso da esposa e filhos pequenos que deixou no Haiti. No Brasil há 3 meses, trabalha na entrega de equipamentos de cozinha. E, aos domingos, anda com a Bíblia e me dá lições de francês e resiliência. Como ele, cada um dos seus companheiros tem uma história vraiment comovente.
Continua depois da publicidade
Muito louvável que o Balcão da Cidadania da Câmara de Vereadores de Itajaí ofereça aulas de francês aos profissionais do turismo. Mas, excusez-moi, por que não usar a mão de obra desses refugiados, cuja língua nativa é justamente o francês? Embora nem todos tenham o mesmo nível de mon professeur de français, a bagagem cultural deles pode ser maior que se imagina!
Comprenez-vous? Por que não aproveitá-los como motoristas, profissionais de hotelaria, governança, bares, restaurantes, atendentes de comércio e similares, de olho na realização da regata Transat Jacques Vabre, em novembro?
Teremos turistas franceses chegando durante a Aventura pelos Mares do Mundo, com a regata, a Marejada e um Festival de Música. Que tal recebê-los de braços abertos, por profissionais que dominam a língua? Vous êtes d’accord? Nesse evento ainda acontecerá a partida da Família Schürmann para a Expedição Oriente, que vou acompanhar onda a onda. Allons-y!
Continua depois da publicidade
Liberté, egalité, fraternité. Pour tous.
Au revoir!