“Floripatópolis será a primeira capital do mundo com estrutura de camarote VIP.” Foi a manchete estampada na capa do principal jornal do Estado, um dia depois da derrota sofrida pela “turma do contra” nas urnas.

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A disputa

Na eleição que antecedeu a notícia havia dois candidatos para o segundo turno. O prefeito Leitão, um self made pig nascido no Oeste do Estado, único sobrevivente de uma família de 20 irmãos que sofreram o natural caminho da engorda e abate. O pequeno fugiu, embrenhou-se numa excursão de escoteiros, foi adotado por um famoso pato e trazido para Floripatópolis. Cresceu e se tornou melhor amigo de Huguinho, Zezinho e Luizinho, hoje assessores de campanha e secretários na gestão municipal.

Autores do best seller Manual do Escoteiro-Mirim, são ligados à preservação das praias, pegam onda e praticam ioga.

A fim de lançar sua candidatura para o governo estadual, Leitão criou uma chapa de coalizão. Convidou para vice o Tio Patinhas, um dos homens mais ricos do país. Investidor voraz, dono de um império da hotelaria, fora preso em operação da Polícia Federal, suspeito de comprar licenças ambientais. Patinhas precisava se redimir e aceitou o convite.

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Do outro lado, Patacôncio, senador e ex-governador que tentava voltar ao Executivo. Homem culto, amante de ópera, de Napoleão Bonaparte e Luís XIV. Filho de um self made duck, esbanjador da fortuna que herdara e acusado de envolvimento com a quadrilha dos Irmãos Metralha, processo arquivado por falta de provas.

Patacôncio prometia transformar a Capital num polo turístico e cultural. O Palácio d’Agronômica seria a Versalhes brasileira, um contraponto clássico ao ícone arquitetônico construído ali perto, na Ponta do Coral, aos moldes do Burj-al-Arab de Dubai.

Patacôncio reclamava que a Capital estava dominada por ventos do contra. Até o famoso vento sul, que integrava a mística da pesca desde a época do homem de Sambaqui, agora vinha do norte, só para confundir e contrariar.

Esses ventos perigosos, capitaneados por ecochatos e escoteiros-mirins, traziam do mar tsunamis do atraso e uma espuma tão raivosa quanto aquela que sempre insistia em ficar no canto de seu bico, nos discursos inflamados realizados pela cruzada eleitoral.

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Com Patinhas como vice, Leitão ganhou plataformas de campanha em todo o Estado e um número de eleitores que não tinha. Mas uma foto-montagem do empreendedor hoteleiro, preso na sala da Polícia Federal, ao lado do candidato surfista, que uma vez abraçara a Lagoa como forma de protesto, tinha uma contradição que os opositores não deixaram de explorar.

Leitão perdeu simpatizantes, foi taxado de candidato “menos pior” e perdeu a eleição.

O camarote

A Capital hoje é uma cidade modelo. Certo empresário paulistano, que goza da fama de rei, foi homenageado e recebeu a chave da cidade. Quer dizer, a pulseirinha VIP que garante livre e eterno acesso à Ilha.

– Encontrei aqui algo que agrega. Estar aqui é status – disse o homem de negócios, em discurso profundo e emocionado.

A honraria também foi concedida a outro visitante ilustre, habitué do Réveillon na praia internacional, o milionário brasileiro famoso por gastar 1 milhão de euros em sua festa de aniversário em Portugal, no meio da crise.

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A pulseirinha VIP, uma espécie de pedágio da Ilha, trouxe para a cidade muita “gente diferenciada”. Personalidades do jet-set nacional e internacional chegavam de barco pelo paradouro da revista Caras.

– Sonhei que o paradouro fosse na Lagoa, fui criticado, mas é inveja – disse o ilustre governante, em discurso alinhado ao do empresário rei. Eram os ventos do desenvolvimento.

E tinha show do Andrea Bocelli todo fim de ano.