A profecia do avô de Fernando Krelling (PMDB), feita três décadas atrás, virou um sonho na mente do garoto de seis anos e o acompanhou pelos anos seguintes até se tornar realidade, em 2016. E a realidade veio melhor do que o sonho. Krelling foi o vereador mais votado da história da cidade, com mais de 10 mil votos, e ainda conquistou a presidência do Legislativo em seu primeiro mandato sem dificuldade: 18 votos a favor e apenas um contra, do parlamentar de oposição Odir Nunes (PSDB).
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Nesta entrevista ao jornal “A Notícia” após seu primeiro dia no comando da Câmara de Vereadores de Joinville, Krelling fala de sua trajetória política, a visão de trabalho e de planos, como o de modificar o sistema de aluguel de veículos dos parlamentares. Aos 34 anos, ele também não nega seu segundo sonho: depois de conseguir se eleger vereador, pensa em um dia se tornar prefeito da cidade. Confira os principais trechos da entrevista:
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A Notícia – Você vem de uma experiência no Executivo e afirma que assumiu a Felej sem dinheiro. A Câmara recebe muitas demandas da comunidade. Como pretende lidar com essa mudança de posição, do Executivo para o Legislativo?
Krelling – Minha experiência no Executivo foi importante para saber a real situação financeira do município. A situação da Câmara é muito diferente. Por lei, ela tem 4,5% do orçamento do município. Aqui se consegue trabalhar com tranquilidade em relação à questão financeira, mas a Câmara pode ajudar o município economizando. Quanto menos gastarmos aqui dentro, haverá mais obras, mais atendimento à população de Joinville. Hoje, efetivamente, não se gastam os 4,5%. Foram devolvidos R$ 7 milhões para o Executivo na última gestão. Devemos tratar o local público como se fosse a nossa casa, o nosso dinheiro. Comprar o que é necessário, o que é prioridade.
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AN – Hoje, qual seria o foco dessa economia?
Krelling – Vamos ter que conhecer a estrutura no todo, tem muita coisa que se pode economizar. Um exemplo é o carro alugado. Como fazer isso? Ainda estamos criando a logística. Da forma atual – um carro para cada vereador -, acho que no momento atual vai contra os princípios da população, que não tem isso. Por que o vereador vai ter? Talvez criar uma nova logística, um banco de veículos dentro da Câmara para que o setor de patrimônio possa administrar e o vereador vá requisitando quando precisar, quem sabe solicitar junto ao Tribunal de Contas uma verba de gabinete para uso com combustível, que vai ser muito menor do que a locação dos carros, 50%, 60% menor do que se gasta hoje. Mas o vereador vai até o bairro Adhemar Garcia e depois tem que ir para o Quiriri. Essa é minha preocupação. Não podemos cortar totalmente e deixar a população desassistida. Só que na forma atual, não podemos continuar. É preciso conversar com os vereadores e chegar a um denominador comum para que se mude um pouco esse sistema.
AN – Essa questão dos carros pode sofrer resistência interna?
Krelling – Pode, sim. Mas se a pessoa assume a função de presidente da casa, tem que conseguir suportar pressão também. Se não conseguir suportar, não pode estar nesse cargo. É preciso suportar a pressão aqui de dentro e da população, ter postura e seguir nestes próximos dois anos.
AN – Em relação ao trabalho dos servidores, vê alguma necessidade de mudança em procedimentos internos?
Krelling – Estou conhecendo cada departamento. Quero fazer uma aproximação com eles, mas pelo conhecimento que já tenho, sei que o coração da Câmara é formado por servidores de carreira. Nós estamos aqui de passagem, representando a população, não podemos achar que isso aqui é nosso. Amanhã, vamos embora e eles vão continuar tocando. Se de dois em dois anos alguém chegar aqui com uma logística totalmente diferente, quem se prejudica é a Câmara.
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AN – Educação e saúde são reivindicações frequentes da população para o governo. Qual sua opinião sobre esses temas?
Krelling – Joinville é a única cidade de Santa Catarina com hospital público mantido pelo município. O governo está colocando 43% do orçamento na Saúde, mas o cobertor é curto, em algum lugar vai faltar, mesmo com 43% ainda temos dificuldade. A população cresceu muito, vinte anos atrás tínhamos o Hospital Municipal São José e ainda hoje temos o São José arcando não só com Joinville, mas com a região também. O São José é referência em especialidades como oncologia, AVC, então Joinville ainda é referência mesmo que tenha dificuldades pela grande demanda que tem que atender.
AN – A Câmara pode se envolver em algum tipo de mobilização para que a gestão do São José saia do município ou que se adote outro formato de gestão?
Krelling – Não adianta apenas querer se livrar da bomba. Se a gente se livrar do São José, vai para o governo do Estado, que também está em condição difícil. Quem sabe se pensar em parceria público-privada, temos que pensar em Joinville e ampliar o debate. Volto a frisar: Joinville investe cerca de 43% do orçamento em saúde e quem precisou do São José sabe que ele é referência. Reconhecemos que há muito o que melhorar e a Câmara está à disposição para ajudar.
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AN – Você vem de uma família de políticos, está em seu sangue. Você quer seguir a carreira política?
Krelling – Eu entrei na política por causa do legado da família. Mas a família no começo não queria, tinha desistido da política. Mas tem uma frase do papa Francisco de que a política é importante e necessária, pena que as pessoas de bem a abandonaram e ela vem apodrecendo, então as pessoas de bem têm que voltar para a política. Nesse pensamento, entrei no meio político, no Executivo, e agora tive a honra de ser o mais votado na cidade, e tudo é muito novo para mim. Não esperava ser o mais votado, não tinha essa condição de campanha muito forte, comparada à de outras pessoas, isso me deu uma motivação a mais. Meu sonho era ser vereador, surgiu a oportunidade de ser presidente da Câmara, e eu não sou de correr de desafio. A questão é suportar pressão e ter a cabeça voltada a fazer o bem para o povo. Aqui se lida muito com relacionamento, com conflito pessoal, com ideais, tem que conseguir administrar tudo isso. E aí vêm os sonhos, quem sabe crescer no cenário político, não estou aqui me colocando à disposição, mas sonho um dia em ser o prefeito de Joinville. Se você não sonhar, nunca vai chegar lá. Não quero ser eternamente vereador porque, quando se continua muito tempo em um único lugar, a motivação não é a mesma. Uma pessoa é diferente da outra, mas eu quero sempre novos desafios. Posso tentar reeleição de vereador ou, se surgir oportunidade, tenho o sonho ser prefeito da cidade, mas quero me preparar para isso.
AN – Você sempre teve vontade de ser vereador?
Krelling – Sempre tive vontade. Como a família viveu o cenário político, com seis anos de idade o meu tio se elegeu vereador, em 1981. Eu tinha a idade do meu filho, que tem seis anos, então eu me vi muito em meu filho agora na campanha. Eu pegava o santinho e ia de casa em casa, nos vizinhos. Naquela época, a criança podia ficar na rua. Hoje, não tem como. E meu avô, que na época era vereador, chegou, deu um ?tapa? na minha cabeça e disse: “Um dia tu ainda vai ser vereador”. Isso ficou na minha vida. Fui crescendo no meio disso. E veio um período de derrota política, 28 anos sem ter um representante. Em 2012, eu cheguei pro meu tio, meu pai e minha avó (esposa do falecido avô) e disse: “Vou ser candidato a vereador, pois o Opa disse que eu ia ser vereador”. Minha avó, com aquele sotaque alemão, falou: “Você está ficando louco?” E meu tio, com experiência política: “Não faz isso, você tem seu negócio, sua esposa, não se mete nisso porque é muito difícil conseguir ganhar”. Aí fui falar com meu pai, e ele já se coçou um pouquinho, já gostou. Aí chamei minha esposa e meu irmão e disse: “Vou ser candidato a vereador”. Meu irmão veio e bateu nas minhas costas e disse: “Vamos embora, então”, todo empolgado. E fui para rua sem nada, sem equipe, sem estrutura e consegui quase 2 mil votos, indo de casa em casa. Lembro que o senador Luiz Henrique me ligou e falou assim: “Olha, nós não acreditávamos em você, se nós tivéssemos acreditado de verdade, quem sabe você poderia ter chegado, mas agora começo a ver que temos um novo líder surgindo”, e isso foi muito marcante para mim. E aí o prefeito Udo Döhler me convidou para a Felej. Deixei muito claro quando entrei na Felej que eu queria ser vereador, até pela questão histórica da família. E agora começam novos sonhos.
AN – O que você fez de diferente da primeira campanha para esta, que teve um resultado tão surpreendente?
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Krelling – O trabalho que eu fiz, de casa em casa, foi exatamente igual. A diferença é que desta vez eu estava mais conhecido, o meu nome estava municipalizado, enquanto na última era mais na região de Pirabeiraba. Municipalizado pelo trabalho na Felej, que me fez trabalhar com crianças e com a terceira idade. A terceira idade é muito fiel, e quando se faz um trabalho para uma criança, o pai nunca esquece, e auxiliamos muitas famílias no lado social. Acho que o reflexo dos votos foi o auxílio social, e com o trabalho da Felej, as pessoas passaram a querer apoiar, sem solicitação de cargo ou financeira. Eu ganhei a eleição sem dar um real de combustível para ninguém. A logística da minha campanha foi igual à de 2012, a diferença é que as pessoas passaram a me dar credibilidade pelo trabalho feito. Em 2012, eu batia na porta e as pessoas pensavam: “O que esse guri quer aqui pedindo voto, quem é ele?” Fomos de casa em casa, prometemos ações fortes, defesas da população, se eu esquecer disso não tem por que estar aqui. Cada vez que a gente entra na Câmara, temos que lembrar por que estamos aqui e por quem estamos aqui. Se esquecermos disso, pode sacar a viola e ir embora. O que me chama atenção é que a Câmara ficou segmentada, pessoas com experiência em vida animal, segurança, iniciativa privada, advogacia, então no campo de ideias vamos discutir bastante e fazer uma grande legislatura, sonho com isso. Tenho esperança que possamos, os 19 vereadores, fazer uma ótima legislatura. Enfatizo que a população cobre do político.
AN – Já tem projeto em mente?
Krelling – Venho do segmento esportivo, o esporte é uma ferramenta de transformação da vida de crianças. Sonho em termos uma lei de incentivo ao esporte, para que, por meio do apoio a entidades e clubes, possamos fomentar a classe esportiva, atraindo mais crianças e jovens. Quando se fala em segurança pública, se esquece que custa muito caro prender e manter preso. Prevenir é muito mais barato.