Apesar de o cerco à corrupção na Petrobras alcançar contornos inéditos com a prisão dos presidentes de duas das maiores empreiteiras do país, em mais um desdobramento da Operação Lava-Jato, especialistas questionam o grau de limpeza que ficará como legado à política nacional.
Continua depois da publicidade
Em janeiro, Andrade Gutierrez negou envolvimento de presidente
Mesmo que integrantes da nata do empresariado brasileiro estejam indo para a cadeia, pesquisadores ouvidos por ZH ponderam que os efeitos ainda são pontuais – e que pouco alteram a engrenagem que sustenta desvios e desmandos nas relações público-privadas.
– Os problemas centrais da corrupção no Brasil continuam sem resolução – resume Leonardo Avritzer, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente da Associação Brasileira de Ciência Política, citando os escusos financiamentos de campanha como um dos principais nós a serem desatados. Mas há avanços a serem comemorados. Para o economista e advogado José Matias Pereira, professor de Administração Pública da Universidade de Brasília (UnB), a principal conquista é a reversão do mito de que engravatados eram imunes a punição.
Não é apenas mais uma fase da Lava-Jato
Continua depois da publicidade
– Estamos assistindo a um momento diferenciado, em que se alcançaram os intocáveis. Mas falta muito, alguns ainda se acham acima do bem e do mal. Existe um vazio que não foi preenchido – analisa.
Como exemplo, Matias-Pereira cita o caso do mensalão petista, antes reverenciado como prova de que gente poderosa também era punida, como se o julgamento na mais alta Corte do país e a sangria pública da imagem dos envolvidos fossem suficientes para estancar irregularidades.
– O que mais assusta é que, ao mesmo tempo em que se estavam apurando responsabilidades e prendendo petistas no mensalão, o mesmo partido continuava com as mesmas práticas dentro da Petrobras. Quando pensávamos que estávamos avançando, descobrimos que havia uma tampa com fundo falso – compara.
Empreiteiras envolvidas na Lava-Jato tentam acordo com o governo
Agora, com a estupefação nacional que acompanha cada nova fase da Lava-Jato, fica evidente que o buraco ético já atingira níveis bem mais profundos do que a camada pré-sal. Para Avritzer, um dos organizadores do livro Corrupção e sistema político no Brasil, o principal desafio é atuar nas causas que levam à corrupção.
Continua depois da publicidade
– Se olhar os grandes financiadores e os grandes partidos, são praticamente os mesmos. Ou estatística não existe ou todos estão envolvidos – raciocina Avritzer.
A ausência de desdobramentos semelhantes em outras investigações, como o mensalão tucano, é interpretada pelo professor como outro indício de que a Lava-Jato representa mais um “ponto fora da curva” do que uma mudança de padrão no combate à impunidade.
– Nesse caso há um forte interesse político, mas não gera mudança de postura em relação a outros casos – avalia.
Leia todas as notícias sobre a Lava-Jato
Entre o setor privado, a revelação dos escândalos também preocupa. Para o diretor-presidente do Instituto Ethos, Jorge Abrahão, a aprovação de legislações como a lei anticorrupção empresarial, regulamentada neste ano, é um dos marcos para consolidar novas posturas.
Continua depois da publicidade
– Com a lei, a empresa agora pode ter multa de 20% de seu faturamento bruto e a criminalização de executivos, o que até então não existia no país. Agora existe um caminho para as empresas serem responsabilizadas, e isso muda tudo. Começa a romper o ciclo da impunidade – comemora.
Quando o Instituto Ethos surgiu, em 1998, era composto por 11 empresas. Hoje, são 600 associados, que correspondem a 25% do PIB nacional. Para se filiar, precisam assinar carta de princípios, comprometendo-se a zelar por questões como integridade e combate ao tráfico de influência.
Mas o desafio ético é permanente. Entre os associados estão a Odebrecht e a Camargo Corrêa, que acabaram suspensas pelo envolvimento na operação.
Lava-Jato chega a sua 14ª fase; relembre as etapas anteriores da operação:
Em janeiro, Andrade Gutierrez negou envolvimento de presidente
Empreiteiras envolvidas na Lava-Jato tentam acordo com o governo
Os fatos que marcaram a operação:
TCU investiga prejuízos em negócios da Petrobras que podem alcançar R$ 39 bi