Por Lauro Bacca, naturalista e ambientalista
Minha relação de amor pela natureza gerou um dos maiores conflitos de foro íntimo que já tive na vida, pois, também amo pessoas e preocupo-me com o futuro de todos. Em 2004 acompanhei técnicos do Ibama em visita a membros da família Molinari, no Faxinal do Bepe, em Indaial, para informá-los que o Parque Nacional da Serra do Itajaí estava para ser criado.
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Pouco depois do início da conversa, tomando o sempre tão hospitaleiro café servido por aquela gente adorável, perguntei pelo banheiro e lá me isolei, não para fazer aquilo que todos fazem em banheiros, mas, para chorar copiosamente sem ser visto pelos demais.
Desabei por não aguentar o conflito íntimo que emparedou meu lado profissional contra o lado emocional de ter que comunicar a velhos amigos que eles teriam que deixar suas casas, com a criação do Parque Nacional.
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Sempre que se lida com retirada de pessoas dos torrões em que vivem, ocorrem conflitos. Uma nova hidroelétrica, a construção de um grande aeroporto ou a criação de uma reserva natural como um Parque Nacional, quase sempre implicam realocação de moradores. É o caso que ainda se arrasta na metade do sexagenário Parque Nacional de São Joaquim, aqui em Santa Catarina.
Compreendo a posição de políticos que se deparam com conflito semelhante ao que passei. Ali estão seus eleitores com suas famílias aguardando há décadas pela justa indenização de suas propriedades para que o Parque, finalmente, esteja plenamente regularizado.
Diante das súplicas dessas pessoas, o que o político vai dizer? Que o Parque vai prevalecer? Se não foi situação fácil para mim, que sei que uma Reserva Natural é tão ou mais importante quanto uma hidrelétrica ou um aeroporto, imagino a situação do político ante seus eleitores.
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Uns 10 anos depois da criação do Parque Nacional da Serra do Itajaí, encontrei os já indenizados amigos da família Molinari num evento e perguntei ao mais velho: “Ari, soube que estás contente no novo local em que moras, é verdade?” A resposta, em carregadíssimo sotaque ítalo-descendente, “ah, xeu Lauro, havéra ter xido déix ano antex!”, lavou minha alma. Ficaram contentes com a indenização e com suas novas moradias.
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Nada pode tirar a dor de alguém que não gostaria, mas tem que deixar seu torrão natal. Mas, o respeito e a justa indenização das legítimas propriedades ajudam muito e no final todos ficam felizes. Cortar nacos do
Parque Nacional de São Joaquim onde ainda vivem pessoas e diminuir sua área em nada vai resolver a premente crise ambiental que clama por preservação, muito pelo contrário, nossos Parques têm mais é que serem aumentados, jamais diminuídos.
Se a bancada catarinense no Congresso Nacional adotar essa mesma postura, ou seja, não diminuindo o Parque, solução simples e simplória para uma complexa situação, mas, sim, lutando por verbas destinadas às justas e definitivas indenizações dos legítimos proprietários, podemos estar absolutamente certos de que gregos e troianos serão contemplados, todos ficarão satisfeitos e a preservação e o turismo ecológico disparará, impulsionando a economia da região e do Estado.
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De minha parte, tenho absoluta certeza de que no futuro ouvirei, não num sotaque de ítalo-descendente dessa vez algo como “Ah, senhor., estamos satisfeitos e bem que isso poderia ter acontecido muitos anos antes!”.
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