Zé Ramalho, ou simplesmente Zé, abandonou o nada que tinha e partiu para tentar a sorte em Blumenau. No início, abrigou-se na casa simples da irmã e do cunhado que, quase dois anos antes, haviam seguido o mesmo caminho, atraídos pelas oportunidades de emprego na cidade.
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Apesar de terem que descer o morro íngreme pela rua de placa amarela e caminhar um bom pedaço até o ponto de ônibus mais próximo, cunhado e esposa estavam contentes. Haviam se livrado de favores e aluguéis dos primeiros meses, estavam em moradia própria e tinham emprego e renda. Ele numa empresa do bairro; ela, de diarista em várias casas, nenhuma no bairro, acabava muitas vezes tendo um rendimento até melhor que o do marido.
Jovem homem de bem, agora foi a vez do Zé viver de favor, pelo menos por algum tempo, na casa do cunhado. Começou amealhando seus primeiros trocados fazendo vários tipos de bicos e logo conseguiu emprego de carteira assinada como roçador numa empreiteira de mão de obra. Mas não parou de fazer bicos e reforçar o parco orçamento. Seu apelido no emprego mudou de Zé para Zé Pequeno, devido sua estatura. Comunicativo, espirituoso e sempre alegre, contagiava o ambiente em que estava.
Chegou agora a vez de Zé Pequeno se livrar dos favores. Conseguiu um chão mais morro acima ainda, que lhe foi vendido pelo Paulo, um disfarçado profissional da ocupação. Mas isso nem passava pela cabeça de Zé Pequeno, para ele, não existe ilegal no tentar sobreviver. Já de namoro firme, para lá se mudou com a companheira tão logo conseguiu cobrir com telhas de amianto de segunda mão o barraco de madeira de dois cômodos que conseguiu erguer, em pouco tempo, com ajuda do cunhado e dois amigos.
Chegado o inverno, haja agasalho e cobertor para amenizar o frio que penetrava teimoso por todas as frestas das tábuas sem pintura, fora os enormes vãos, alguns de quase um palmo entre o teto sem forro e as pontas das tábuas das paredes externas em total desalinho, uma mais alta que a outra. Ventava quase tão dentro quanto fora, mas era sua casa.
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Morro íngreme, desmatamento para dar lugar a mais um chão na Velha Grande, área de risco. Tudo ilegal, mas a vontade de sobreviver e vencer na vida era o que mais importava. Chegado o período eleitoral, a ilusão de legalidade foi-lhes vendida por candidatos à procura, não de soluções de moradia para os milhares de Zés Pequenos que existem por aí, mas sim, de votos. Os Zés Pequenos, ainda que ilegais, não temem a lei. Quem mais tem medo de (aplicar a) lei são os candidatos.