Não é verdade que as autoridades foram pegas de surpresa com algo jamais visto que foram os inúmeros – alguns gigantescos – deslizamentos de encostas que configuraram a tragédia climática de 2008 aqui no Vale. O respeitado geólogo paranaense João José Bigarella, numa maratona de palestras, livros, artigos, debates em universidades e entrevistas à imprensa, não poupou esforços na década de 1970 para alertar governos, técnicos e comunidades de que este tipo de perigo pairava sobre regiões montanhosas como a serra do Mar e o Vale do Itajaí. A ênfase dos alertas era sobre as consequências do desmatamento em encostas.

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Bigarella analisou, entre outros, os deslizamentos catastróficos ocorridos no Rio de Janeiro em 1966, na serra das Araras (RJ) e em Caraguatatuba (SP) em 1967. Referiu-se aos 274 milímetros de chuva despencados em 24 horas sobre o morro da Joaquina, em Florianópolis, com ocorrência de deslizamento e soterramento de casa em 1973. Sobre a maior das catástrofes ocorridas até então, no vale do rio Tubarão em 1974, “com perda de centenas de vidas, além de incalculáveis prejuízos materiais”, o geólogo deixava claro que algo semelhante poderia ocorrer em outros lugares.

Para o Vale do Itajaí, Bigarella foi enfático: “… embora talvez já seja tarde, alertamos para o fato de que sobre o vale do Itajaí-açu pesa perigo de catástrofe idêntica à do vale do Tubarão, caso condições climáticas propiciem chuvas muito prolongadas, que venham a originar os deslizamentos generalizados das regiões desflorestadas. O desastre, neste caso, será de consequências incalculavelmente mais graves do que na área de Tubarão, dadas as características da bacia com seu estrangulamento em Blumenau”.

Chuvas catastróficas sempre ocorreram, mas a frequência e intensidade têm aumentado nas últimas décadas, o que implica radicais inovações nas medidas de prevenção, proteção e preparo da Defesa Civil visando à minimização das mortes, perdas e danos. Na Dinamarca, informa a arquiteta Carolina Nunes (edição do Santa de 19 de janeiro), uma legislação moderna determina que os municípios, dentro de suas peculiaridades, implementem planos de adaptação às mudanças climáticas.

Os que conhecem nossas cidades sabem que estamos a anos-luz disso. Avanços ocorreram na Defesa Civil e no mapeamento de áreas de risco, é verdade. Mas as ocupações (e reocupações de áreas interditadas) de encostas e margens de rios continuam, expondo crescente número de bens e vidas humanas a perigos de toda ordem.

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Neste momento de repetidas chuvas intensas caindo no Vale do Itajaí e no Estado nos últimos dois meses, várias delas com volumes em torno de 100 milímetros acumulados em menos de uma hora, não seria o grande momento de, lembrando 2008 e os alertas de Bigarella, meditarmos seriamente sobre o assunto?

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