Ainda há tempo de a construção da barragem do rio Itajaí-Mirim ser um exemplo de planejamento interdisciplinar, multisetorial e de longo prazo, tão raros no Brasil. Não se pode focar, mais uma vez, na parte estrutural, como se essa obra nada tivesse a ver com a administração da paisagem como um todo. Há enchente em Brusque e em Itajaí? Então vamos tentar segurar a onda de cheia, construindo uma barragem de 37 metros de altura em algum lugar acima de Brusque e põe-se aí um ponto final, onde, na realidade, deveria ser um ponto de partida.
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A vida útil de uma barragem ou represa não pode ser calculada apenas do ponto de vista da durabilidade do concreto ou outra forma de estrutura da obra. Há que se pensar também na vida útil do lago que é formado pelo barramento do rio. Não adianta o concreto durar séculos se o lago desaparece, completamente assoreado por sedimentos da bacia a montante, quando não há controle da erosão, que é justo o caso do Vale do Itajaí-Mirim, a exemplo de outros.
A primeira barragem construída para o abastecimento de água na mineira Juiz de Fora ficou inutilizada em poucos anos, cheia de terra e areia trazidas pelo rio devido ao descontrole do desmatamento e erosão a montante. Qualquer um pode agora caminhar onde antes havia mais de 15 metros de lâmina d?água a seus pés. Exemplos de barragens totalmente assoreadas existem às centenas pelo mundo afora. Por falta de proteção da vegetação na bacia a montante, uma barragem nos EUA ficou completamente assoreada, igual à que conheci em Juiz de Fora, portanto inutilizada, em menos de seis anos!
O Vale do Itajaí-Mirim acima de Botuverá é de topografia muito acidentada e o desmatamento ali é relativamente recente, tornando-se intenso e violento a partir de meados do século passado. Lavouras de fumo e outras são feitas em encostas desnudadas, sujeitas à intensa erosão. Estradas rurais, florestais e urbanas ali geram muita erosão sem controle, fazendo com que o rio transporte grande quantidade de sedimentos. Exceção é o Parque Nacional da Serra do Itajaí, de cujos solos não sai quase erosão nenhuma.
Tão importante quanto a construção da barragem será a efetiva implantação do Parque Nacional. Suas florestas, devidamente protegidas, em muito contribuirão para a longevidade da obra. De quebra, ajudarão a minimizar tanto as secas quanto as enchentes em Brusque e Itajaí, assim como em Blumenau e região. Seria, portanto, uma total insensatez investir apenas no concreto sem investir também na proteção da floresta do parque.
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