Por Lauro Eduardo Bacca, presidente da Acaprena (Associação Catarinense de Preservação da Natureza), naturalista e ambientalista
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O ano de 1852 foi marcado pela distribuição dos primeiros lotes da colônia Blumenau que, apenas dois meses depois, já sofria com a primeira enchente. Pela localização dos lotes números 1 e 2 no Garcia, respectivamente adquiridos pelo naturalista Fritz Müller e seu irmão August, o historiador José Ferreira da Silva concluiu que essa enchente deva ter passado dos 10 metros acima do nível normal do rio Itajaí Açu.
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O historiador baseou-se em detalhada descrição feita em carta de Fritz Müller à sua irmã Rosa, na Alemanha, em janeiro de 1853. “No meu lote, situado na altura de 20 pés – escreveu o naturalista – as águas não causaram prejuízos, mas, do de August, a maior parte do mato já derrubado ficou completamente debaixo d’água.”
Em 1858 o médico alemão Robert Avé-Lallemant junto com o próprio Dr. Hermann Blumenau, mais outro alemão, embarcou na vila de Itajaí no único transporte disponível na época, uma precária canoa impulsionada por dois remadores rio acima com destino à sede da Colônia. A conversa entre eles era meio que aos berros, contrastando com a placidez silenciosa das águas do rio Itajaí, devido à surdez de Blumenau. Era impossível chegar em apenas um dia, por isso, pararam junto à foz do rio Gaspar Grande para pernoitar na casa da família Schramm, muito acolhedora, segundo o relato.
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Foi ali que Avé-Lallemant viu a marca da enchente de 1855, “a maior de todas” (grifo meu). “É quase incrível que as águas tenham se estendido até esse ponto”, completou.
Esses dois registros permitem que se discorde da metragem até hoje considerada oficial de 16,3 metros para a enchente de 1852. O relato deixado por Fritz Müller, assim como os registros do diário da colônia do Dr. Blumenau, reforçado pela observação de Avé-Lallemant em Gaspar, permitem que se duvide claramente que uma enchente dessas dimensões possa ter ocorrido apenas dois meses depois da entrega dos primeiros lotes da Colônia sem que tivesse sido devidamente registrada. É possível até que a Colónia não mais tivesse prosperado no mesmo local, diante de tão grande calamidade logo no seu início.
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As modernas cartas de enchente de Blumenau, a meu ver, colocam uma pá de cal sobre esse assunto e o raciocínio é bem simples. Na cota de 16,3 metros, praticamente todos os primeiros três km do que mais tarde passou a ser a rua Amazonas ficariam debaixo da água, ainda mais no primeiro quilômetro dessa rua, onde ficavam os lotes de Fritz Muller e seu irmão.
A rústica que ele mesmo construiu, com paredes e “móveis” feitos de estipes de palmiteiros e telhado de folhas da mesma planta, teriam ficado completamente debaixo da água e ele teria registrado esse fato. A conclusão é que a enchente de 1852 dificilmente ultrapassou a cota dos 11 metros, portanto, 5 metros a menos do que a cota considerada oficial.
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Há de se corrigir a altura dessa enchente exagerada, pondo fim a um equívoco histórico em cascata que, partindo da origem, tem-se repetido em centenas de publicações subsequentes.