Das milhares de pessoas que já passearam nos parques naturais das nascentes do Garcia, pode-se contar nos dedos das mãos os que perceberam espontaneamente uns interessantes detalhes da geomorfologia local.

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Na Segunda Vargem, paralelas ao leito do ribeirão Garcia-pequeno, há no terreno plano duas ou três depressões longitudinais ocultas sob o capoeirão. Na área de convivência e banheiros, que fica entre os rios Garcia e Garcia-pequeno, é visível na relva a depressão oblíqua que corta aquela pequena várzea, apesar de um pouco disfarçada devido a antigos trabalhos com arado no local. Perto dali, na margem esquerda do Garcia, existe até hoje um intrigante trecho de água morta, como diziam os antigos.

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Quilômetros acima, na Terceira Vargem, outra pequena planície encravada entre as montanhas íngremes e de solos frágeis que caracterizam quase todo o vale do Garcia, também se observa o mesmo “fenômeno”. Mistério? Nenhum. Apenas são paleocanais, evidências de que, em algum momento de um passado recente ou remoto, os ribeirões já passaram por ali e mudaram abruptamente de curso, em geral, por ocasião de alguma enxurrada violenta e catastrófica.

Já me aventurei muito pelas matas das cabeceiras do Garcia desde 1979 com colegas da Acaprena procurando conhecer os segredos daquelas florestas que antes de nós só recebiam visitas de caçadores dizimadores de nossa fauna. Trabalhando na área a partir de 1988, conheci ainda mais a região.

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Em 36 anos de andanças e sobrevoos jamais observei mudanças radicais do leito dos rios. No entanto, apenas nos últimos sete anos já ocorreram pelo menos três dessas violentas alterações no alto Garcia, a última delas provocada pela gigantesca barreira caída no último dia 23, que destruiu ou inutilizou várias propriedades. Muito acima da Nova Rússia, onde ninguém vê, várias outras barreiras caíram. Desequilíbrios provocados pelas mudanças climáticas já em curso?

Há males que vem para o bem. Área bela de se visitar, mas imprópria para moradias em sua maior parte, os sinais de alerta voltam a ameaçar o alto Garcia. Por isso, este é o momento do poder público concretizar a necessária vocação de preservação e de manancial do lugar. Os moradores de áreas de risco e de preservação permanente ainda não são muitos e podem e devem ser removidos. Por sua vez, o uso e ocupação dos espaços seguros de se morar na Nova Rússia devem ser eficazmente regrados de forma preventiva, antes que ali se forme um novo e perigoso bolsão de risco em Blumenau. É hora de agir e não esperar por novas tragédias!