Por Lauro Bacca, ambientalista e naturalista
Quem não se lembra do ex-presidente Collor quando ele disse que nossos carros eram verdadeiras carroças? Foi há 30 anos. De lá para cá a evolução de nossa indústria automobilística foi simplesmente espantosa.
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Adeus carroças, viva a modernidade, tchau, obsoletos carburadores! Bem-vindos, motores modernos, controles eletrônicos, catalisadores nos escapamentos e eficiência de 90% no controle da poluição do ar causada pelos veículos que circulam em todas as nossas ruas!
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Vamos regredir vinte anos mais, viajemos no tempo até o início dos anos 1970, quando ultrapoluidores motores de dois tempos ainda equipavam muitos modelos da época, tudo junto resultando em dias de poluição que tornavam o ar quase irrespirável nas grandes cidades brasileiras. Bem diferente de agora, quando, mesmo com o triplo de veículos em circulação, a poluição ficou bem menor.
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Imaginemos agora nossa moderna indústria automobilística retroceder aos padrões de fabricação e montagem de meio século atrás e voltando a usar a exata tecnologia disponível na época. E que essa volta ao passado seja obrigatória, por força de lei aprovada na Câmara dos Deputados.
Inimaginável, certo?
Errado.
Foi exatamente isso que aconteceu na área ambiental com a aprovação, no último dia 25, do projeto de lei 2.510/19, que trata das áreas de preservação permanente (APPs) nas áreas urbanas, iniciativa de parlamentares catarinenses, justo um dos Estados que mais sofre com as consequências da ocupação desses espaços.
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Há que se reconhecer a extrema complexidade da questão e a consequente monumental dificuldade de destrinchá-la, mas, daí, para não enfrentar o problema como deveria ser feito e propor uma salomônica decisão às avessas de cortar o bebê ao meio para que cada pretensa mãe ficasse com sua metade, são anos-luz de diferença.
Sem maiores e profundas discussões e debates, preferiu-se entregar o bebê inteiro à falsa mãe, representada aqui de forma simplificada pelos interesses imediatos do lucro imobiliário.
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Tal como na analogia automobilística, a questão das APPs é mais uma em que o Brasil acaba de regredir 50 anos de evolução na área ambiental. Voltamos ao período anterior a 1972, ano da histórica reunião de Estocolmo em que, pela primeira vez, todos os países significativos do mundo reconheceram a premente necessidade de proteção ambiental.
Desprezamos as decisões e recomendações da reunião Rio 92, ou da Rio+20. De uma “canetada”, negou-se a realidade do efeito estufa, das mudanças climáticas, da ameaça como jamais vista à biodiversidade, das chuvas cada vez mais escassas por falta de florestas, do acordo de Paris, dos eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e violentos, resultando em inúmeras vítimas e perdas materiais, onde? Principalmente nas APP de áreas urbanas!
Todo um avanço científico e tecnológico de 50 anos foi jogado no lixo, para tudo voltar a ser o que era antes de Estocolmo, 1972. Resta esperar que o Senado nos salve desse atraso e nos traga de volta para o futuro. Uma nota técnica assinada por mais de 70 entidades, cientistas e ambientalistas de todo o Brasil, já entregue, pode ajudar os Senadores a uma tomada de decisão mais adequada.
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