Passear pelas ruas do Centro da Capital é caminhar na companhia de personagens que marcaram a História do país, tais como Benjamin Constant, Saldanha Marinho, Silva Jardim, entre outros tantos que emprestam seus nomes a ruas e monumentos. Folhear os livros do jornalista paranaense Laurentino Gomes é mergulhar nesse contexto e descobrir que os homens eternizados como mitos eram pessoas de carne, osso, vícios e virtudes.
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Assim é composta a narrativa de 1889, livro que desvenda os fatos e personagens por trás da Proclamação da República e completa a trilogia sobre as datas que marcaram o Brasil do século 19, iniciada com a publicação de 1808 e 1822.
Como jornalista, Laurentino Gomes já narrava a História ao trabalhar na cobertura de fatos como a campanha Diretas Já em 1984, a Constituinte de 1988, a primeira eleição presidencial depois do regime militar, em 1989, e o lançamento do Plano Real em 1994. Há seis anos ele decidiu deixar o emprego em uma grande editora para se dedicar exclusivamente à pesquisa e à produção literária. Dessa atitude corajosa surgiu um fenômeno editorial responsável por colocar a História do Brasil sob os holofotes, com a venda de 1,5 milhão de exemplares.
Em viagem pelo país para divulgar a nova obra, o autor faz escala hoje em São José para sessão de autógrafos e bate-papo com leitores no Continente Park Shopping, às 19h30min. Antes disso, ele conversou com o DC sobre seu processo de pesquisa histórica, relação com o público leitor e perspectivas para novas produções literárias.
Como nasceu o interesse por escrever sobre a História do Brasil?
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Eu trabalhei mais de 30 anos como repórter e editor em redações de jornais e revistas, mas sempre tive um grande interesse pelo estudo da História do Brasil. Em 2007, decidi transformar essa paixão em livros-reportagem. O resultado foi o livro 1808, sobre a fuga da corte de D. João para o Rio de Janeiro, fugindo das tropas do imperador Napoleão Bonaparte, que tinham invadido Portugal. Mal o livro tinha chegado às livrarias quando fui pego de surpresa pela repercussão da obra. Nunca imaginei que um livro de História do Brasil tivesse tamanha acolhida entre os leitores. Isso me animou a escrever o segundo volume, 1822, sobre a Independência do Brasil, consequência direta da fuga da corte para o Rio de Janeiro. Em seguida, os próprios leitores começaram a me pedir que escrevesse sobre 1889 e a Proclamação da República. Essas três datas explicam a construção do Estado brasileiro ao longo do século. Funcionam como o nosso código genético do ponto de vista institucional, burocrático e administrativo, porque explicam a forma como nós, brasileiros, nos organizamos como nação independente e soberana ao romper os nossos vínculos com Portugal. Portanto, para entender o Brasil de hoje é preciso estudá-las.
Quanto tempo de pesquisa foi necessário para a construção de 1889?
Foram cerca de três anos de pesquisa, no Brasil e nos Estados Unidos. Li cerca de 150 outras obras sobre o tema, morei um ano nos Estados Unidos e visitei os locais dos acontecimentos no Rio de Janeiro, Petrópolis e outras cidades. A minha principal fonte de referência para escrever 1889 foram os livros do historiador mineiro José Murilo de Carvalho, que considero hoje a principal autoridade no tema. Nos Estados Unidos, aprofundei as pesquisas indo várias vezes à Biblioteca do Congresso e à Biblioteca Oliveira Lima, ambas situadas em Washington, onde encontrei acervos e documentos preciosos que me ajudaram a ter uma noção mais precisa dos personagens e acontecimentos. Por fim, visitei os locais relacionados à história do império e à Proclamação da República, no Rio de Janeiro, em Petrópolis e outras cidades brasileiras. Apesar da distância no tempo, esses lugares ainda guardam hoje muita informação para quem tiver o olhar atento.
Você acredita que um intercâmbio maior entre jornalistas e historiadores pode contribuir para fomentar o interesse do público leigo em relação à História?
Sim, acredito que historiadores e jornalistas têm muito a aprender uns com os outros. Historiadores podem ensinar aos jornalistas método e disciplina na pesquisa. Os jornalistas, por sua vez, têm contribuição de linguagem e estilo a dar no ensino e na divulgação do conhecimento da História. O Brasil está mudando rapidamente, para melhor, em quase todas as áreas – e isso não é mérito individual de nenhum governo. É resultado do exercício continuado da democracia por quase três décadas, uma experiência inédita em nossa História. Estamos colhendo, finalmente, os frutos da participação de todos os brasileiros na construção da nossa própria História. Hoje temos, entre outras melhorias, mais renda, mais empregos, mais educação e oportunidades do que 30 anos atrás. Uma das consequências é o aumento no número de leitores e o crescimento do mercado editorial brasileiro. Há novos leitores entrando nesse mercado, o que impõe novas responsabilidades para nós, escritores, editores e distribuidores de livros. Temos de ser generosos com esse novo leitor, de modo a atrai-lo definitivamente para o fascinante mundo dos livros. O grande desafio é ampliar o interesse do público pela História sem banalizar o conteúdo. Essa é uma linha tênue e perigosa. Se o autor ficar só na superfície e na banalidade, o livro não oferecerá contribuição alguma, será irrelevante. Se, ao contrário, der um mergulho muito profundo, não conseguirá prender a atender desse leitor menos especializado. Mas entendo também que esse é o desafio permanente do bom jornalista.
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Há professores que usam seus livros em sala de aula como estratégia para tornar a História do Brasil mais atrativa aos estudantes. No momento em que o primeiro livro da trilogia foi concebido havia a intenção de ele que fosse ou pudesse ser didático?
Não, isso aconteceu ao longo do caminho. Meu objetivo inicial era fazer apenas um bom livro-reportagem, que tornasse a história da fuga da família real portuguesa para o Brasil acessível a um público mais amplo. Para minha surpresa, no entanto, a repercussão acabou sendo positiva também entre professores e estudantes. Os três livros já foram adotados como obras paradidáticas por diversas escolas no país inteiro. Isso me deixa muito feliz. Quero ser uma porta de entrada para esses estudantes, de maneira que os meus livros ajudem a despertar neles o interesse pela História do Brasil, de tal forma que, mais tarde, eles se animem também a ler trabalhos mais profundos e densos, como Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda.
Os próximos livros devem seguir a mesma linha – História do Brasil – ou há outros temas sobre os quais você deseja escrever?
Eu não excluo a possibilidade de fazer uma outra trilogia sobre a História do Brasil, mas a fórmula de capa será diferente. O livro 1889 é o encerramento de um ciclo na minha carreira como escritor. Tenho vários projetos, mas nenhum definido até agora. De certeza, por enquanto, só sei que 1889 será o último livro com data e números na capa. Os próximos terão títulos diferentes. Espero que continuem a fazer sucesso entre os leitores. Gostaria de escrever um livro sobre a Guerra do Paraguai, outro sobre a Inconfidência Mineira, talvez mais um sobre as grandes rebeliões do período da Regência, entre a Abdicação de Dom Pedro I, em 1831, e a maioridade de D. Pedro II, em 1840. Essa é uma década fascinante, em que muitas ideias e muitos projetos de Brasil foram testados, às vezes a custa de muito sangue e sofrimento.
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SOBRE O LIVRO
1889. De Laurentino Gomes. Globo Livros. 416 págs. R$ 44,90 (preço médio)
AGENDE-SE
O quê: lançamento do livro 1889, bate-papo e sessão de autógrafos com Laurentino Gomes
Onde: praça de eventos do Continente Park Shopping (BR-101, s/n, Km 46, esquina com a SC-407, São José)
Quando: quarta-feira, às 19h30min
Quanto: gratuito