O laudo do Instituto Médico Legal (IML) indicando que aparentemente se trata de suicídio tornou ainda mais intrigante a tentativa de desvendar a morte do norte-americano Shane James Gaspard, 42 anos, na noite de Natal, em Penha, Litoral Norte.
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O diretor do IML em Santa Catarina, médico legista José Maurício Ortiga, 52 anos, disse ao DC que o trabalho da necropsia apontou que o estrangeiro pode ter tirado a própria vida. A informação, conforme Ortiga, foi repassada ao delegado de Piçarras, Rodolfo Farah, responsável pela investigação.
Um dos mais experientes legistas do Estado, com 32 anos de atuação na medicina legal e doutorado na Espanha, Ortiga afirma não ser tão incomum o fato de alguém tentar contra a própria vida desferindo uma facada no peito.
– Quando há razão para isso, qualquer meio pode servir. Já vi suicídio até com a utilização do vaso sanitário – assinala o médico.
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Apesar do exame, o legista lembra que caberá ao delegado tirar a sua conclusão, levando em conta outros fatores, como o local e os depoimentos.
Ainda sem todos os laudos, a polícia admite estar diante de um quebra-cabeças difícil de ser montado.
Há contradições em interrogatórios e pontos ainda não esclarecidos. Um deles é o que revela as constantes brigas de Gaspard com a mulher, a dona de casa Ana Cristina da Silveira Caurio Gaspard, 39 anos.
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Há relatos de vizinhos sobre discussões e até uma recente agressão física do norte-americano contra a mulher. Ana e mais sete pessoas estavam na casa em que Gaspard foi encontrado morto.
Ela prestou depoimento. Houve uma segunda tentativa de ouvi-la, mas a polícia afirma que estava sob forte medicação e adiou.
Ana, os familiares, funcionários e presentes foram ouvidos. Nenhum deles aceita dar entrevistas. A reportagem conversou rapidamente com a mãe de Ana e sogra de Gaspard, na quinta-feira, em Navegantes.
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Ela estava na festa de Natal em que o genro apareceu morto. Disse que a família avalia ser cedo para se manifestar, que aguarda os laudos e na hora certa romperá o silêncio.
Família estrangeira suspeita de assassinato
Nos Estados Unidos, na Louisiana, onde vivem os parentes de Gaspard, os familiares reclamam de poucas notícias oficiais sobre o que aconteceu.
Em e-mails trocados com a reportagem, os familiares dão a entender que suspeitam de assassinato, por causa de ameaças que teria recebido – o Boletim de Ocorrência feito na delegacia trata a morte como sendo homicídio doloso.
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A família americana pagou as despesas do traslado do corpo, que seguiu na sexta-feira para o seu país de origem.
Houve intermediação do consulado americano, pois os parentes estrangeiros não teriam bom relacionamento com a família que Gaspard criou em Santa Catarina.
Paixão, tristeza e saudade
Uma história de paixão por uma brasileira, tristeza com o desemprego e de saudade dos familiares distantes antecedeu o trágico fim de Shane Gaspard.
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O homem de porte físico grande, que não falava português, gostava de uísque e tinha poucos amigos andava depressivo. O principal motivo seria a perda do emprego em empresas de navios da região portuária catarinense.
Gaspard era engenheiro com especialidade em eletrônica. Veio para o Estado a trabalho, quando conheceu a atual mulher, há cerca de três anos, e se casou.
Ele morava com a companheira e os dois filhos dela numa casa em Navegantes. Segundo a polícia, também era dono de uma lanchonete no bairro Gravatá, em Navegantes.
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Era visto sempre com sua caminhonete da cor preta. Também ajudava no negócio e era querido pela vizinhança, embora tivesse dificuldade de comunicação.
– Ele era gente boa, mas andava perturbado. Tinha dias que ficava procurando argolas de ferro no chão, mostrando que não andava bem por causa dos remédios fortes que vinha tomando para tratar a depressão – relatou um conhecido, em Navegantes.
Mesmo com o tratamento psiquiátrico, ele não abandonou o uísque. Por isso, a mistura o deixava atordoado. Uma das vezes teria sido a noite de Natal, quando teria tido uma discussão, na casa em que mais tarde acabara sendo localizado sem vida.
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Ele dizia na região ter saudades dos familiares norte-americanos. Nos EUA vivem os seus pais, a ex-mulher e dois filhos. O corpo embarcou na sexta-feira à noite em São Paulo para o estado da Louisiana, onde será enterrado.
Crimes emblemáticos movimentam Penha
No intervalo de 18 dias, em dezembro, dois casos policiais emblemáticos e de repercussão foram registrados em Penha, cidade litorânea de 25,1 mil habitantes que fica entre Navegantes e Piçarras, famosa por abrigar o parque Beto Carrero.
Na noite do dia 7 do mês passado, o assassinato de quatro pessoas da mesma família no Bairro Armação chocou a população. Um casal, de 72 e 69 anos, uma mulher de 41 e um garoto de 10 anos foram mortos a marteladas.
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Dois dias depois, o biscateiro Luiz Carlos Flores, o Liquinha, 38 anos, filho do casal, confessou à polícia as mortes. Disse que estava sob efeito de cocaína.
A equipe de investigação é a mesma que agora tem a missão de elucidar a morte do norte-americano Shane Gaspard. Os policiais são da Delegacia de Piçarras, pois em Penha há apenas uma subdelegacia – e sem delegado.
Na chacina da família, desde a noite do crime os policiais desconfiavam de Liquinha. Ele chegou a ir no velório sem saber que era vigiado por policiais. Após o enterro, convidado para ir à delegacia, acabou confessando as mortes em uma conversa com um dos agentes mais experientes. Liquinha segue preso.
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Diante da morte do estrangeiro, a polícia tem sido reservada nas informações. O conteúdo dos depoimentos ficam em sigilo. O certo é que a investigação deverá ser prorrogada por mais 30 dias.
A dúvida se Gaspard foi vítima de homicídio ou se suicidou lembra outra morte que intrigou a polícia e a perícia catarinense: a morte do vereador Marcelino Chiarello, em Chapecó, no Oeste, em novembro de 2011.
O político foi encontrado morto enforcado em sua casa. Laudos e a investigação policial concluíram por suicídio, mas a Polícia Federal entrou na apuração, houve exumação e novos laudos foram feitos, cujos resultados ainda são desconhecidos.
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ENTREVISTA: Rodolfo Farah, delegado que investiga a morte.
Explicar o que houve na casa em que o estrangeiro morreu é o que tenta o delegado Rodolfo Farah. Nesta entrevista, dada na DP de Piçarras quinta-feira à tarde, o policial diz que há pontos obscuros a esclarecer.
Diário Catarinense – Quais os próximos passos na tentativa de desvendar a morte?
Rodolfo Farah – Nós vamos continuar escutando o restante das pessoas que já apuramos, que podem auxiliar no esclarecimento do crime. O primordial agora é aguardar a perícia. A partir do momento em que os laudos periciais chegarem, a gente consegue definir uma linha mais determinada da investigação.
DC – A polícia está diante de um quebra-cabeças ou já pode definir se foi homicídio ou suicídio?
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Farah – Por enquanto a gente só tem as pecinhas mesmo. Não dá para definir se foi um suicídio ou um homicídio, até por causas de umas circunstâncias, de umas peculiaridades que já foram apuradas, principalmente em relação à análise do corpo, a necropsia. Então, por enquanto, não dá para se definir se foi um ataque ou uma autolesão.
DC – A polícia sabe como era a vida do norte-americano em SC?
Farah – Já foram colhidas algumas informações. Tem muita controvérsia, muito ponto obscuro para ser esclarecido. Mas em princípio é americano radicado no Brasil que veio prestar serviço para empresas de navios, sem inimigos, sem problema algum.
A morte
Shane Gaspard foi encontrado morto na garagem de uma casa de praia, no Bairro Praia Alegre, em Penha, por volta das 3h30min da madrugada do dia 25 de dezembro.
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O corpo estava caído ao lado de sua Caminhonete e apresentava um ferimento de faca no peito. Uma faca suja de sangue foi apreendida dentro do veículo.
Nada foi roubado e não havia sinais de auto defesa no local. Por isso, a polícia descarta que tenha havido latrocínio (roubo seguido de morte) ou ação de algum desconhecido, por exemplo.