Primeiros rascunhos podem ganhar vida pública em livros que, logo ali adiante, serão enjeitados por seus próprios autores. São produto de um escritor ainda inexperiente, talvez hesitante, um esboço do que se consolidará anos, tentativas e páginas à frente.
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Os 25 Poemas da Triste Alegria, com textos de Carlos Drummond de Andrade de quase cem anos atrás, revelam o crítico severo em que o mineiro se converteu diante de seus versos da juventude.
O lançamento da CosacNaify recupera poesias de 1924 e ganha agora o status de primeiro livro do modernista – até então, considerava-se Alguma Poesia (1930) sua estreia literária, ainda que Drummond tivesse ensaiado outras coletâneas anteriores, não publicadas. Escritos à mão e depois datilografados por Dolores Dutra de Morais, à época sua noiva, os poemas, encadernados em uma edição artesanal, circularam entre conhecidos do autor. O livro de um só exemplar percorreu uma trajetória nebulosa, de datas imprecisas, que se diluíram nos mais de 80 anos decorridos desde então.
Treze anos depois de redigi-los, Drummond voltou a se deter sobre eles. Foi severo na autoavaliação, manuscrita junto aos originais. “O que ha de deploravel nestes versos é que elles são authenticos”, escreveu, na ortografia da época, sobre o poema A Sombra do Homem que Sorriu. “É impossível não ter pena do pobre poeta que os escreveu”, acrescentou. Mario de Andrade, a certa altura da avaliação do trabalho do colega, foi ainda mais severo: “horrorosibilissimo”, “impossível de existência”.
A bela edição que chega agora às livrarias foi possível porque o volume reapareceu, intacto, no acervo de um bibliófilo carioca. Apresenta, além dos poemas, a reprodução dos comentários anotados por Drummond em 1937 e comentários de Antonio Carlos Secchin, imortal da Academia Brasileira de Letras.
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Os 25 Poemas da Triste Alegria exemplificam um sentimento comum entre escritores, de menor ou maior expressão e quilometragem: a iniciação costuma estar distante da maturidade literária, e os primeiros experimentos acabam desconectados da obra que de fato representa um autor. Cristovão Tezza, do premiadíssimo O Filho Eterno, relata ter levado anos até escrever algo que o deixasse realmente satisfeito. Entre os 18 e os 20 anos, Tezza concebeu três romances “imprestáveis”.
– Felizmente, jamais foram publicados. Dei um fim a eles nos anos 1970. Não sobrou nada _ conta.
Seguiram-se um livro de contos e dois romances – A Cidade Inventada (1980), O Terrorista Lírico (1981) e Gran Circo das Américas (1979), que não devem ganhar novas edições.
– Quando descobria algum deles nos sebos, comprava para dar um fim – diverte-se o autor, que trata quase exclusivamente de sua formação como escritor em O Espírito da Prosa – Uma Autobiografia Literária (Record), com lançamento previsto para a próxima semana.
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Os 25 Poemas da Triste Alegria
De Carlos Drummond de Andrade.
Apresentação de Antônio Carlos Secchin. CosacNaify, 164 páginas, R$ 79,90.
Primeiros escritos: como outros escritores lidam com suas estreias
Moacyr Scliar, dono de uma obra de mais de 70 títulos, não gostava de apontar Histórias de Médico em Formação, coletânea de contos calcada em sua experiência como estudante de Medicina, como o seu número 1.
– Foi um arroubo, algo não muito cuidado, meio adolescente. Ele não chegou a trabalhar o texto. Quando foi ler de novo, levou um susto – conta Judith Scliar, viúva do escritor, que morreu em fevereiro de 2011. – Ele não o renegava como um filho bastardo, mas não tinha muito orgulho – lembra, destacando que o gaúcho elegeu O Carnaval dos Animais (1968) para sinalizar o princípio da carreira.
Em 2010, Antônio Xerxenesky teve a chance de republicar, pela Rocco, Areia nos Dentes, lançado pela Não Editora em 2008. Garante ter feito cortes, acréscimos, ajustes de ritmo e trocas de palavras em todas as páginas.
– Muita coisa muda em dois anos na cabeça de um escritor em formação. Foi meu primeiro romance, eu tinha 23 anos quando o escrevi. Amadureci também como leitor – afirma o porto-alegrense de 27 anos.
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Xerxenesky prefere nem listar no currículo os contos de Entre, escrito dos 18 aos 20 anos, publicado aos 21, e vencedor de um prêmio de incentivo do Fumproarte, que permitiu uma tiragem de 600 exemplares.
– Não gosto, não teve a menor repercussão de crítica, de público, de nada. Esgotou, não sei como – conta Xerxenesky.
Jorge Amado
Escrita em parceria com Edison Carneiro e Dias da Costa, a novela Lenita (1929) foi a primeira publicação do baiano, sob o pseudônimo de Y. Karl. “É uma coisa de criança. Nós éramos muito meninos”, diria mais tarde. “Ele dizia que, se prestasse, não precisaria de tantas mãos para escrever”, destaca o professor da Universidade do Estado da Bahia Gildeci Leite, especialista no universo amadiano. O País do Carnaval, lançado em 1931, quando tinha 18 anos, é listado oficialmente como sua estreia literária.
Milton Hatoum
O amazonense, dos conceituados Cinzas do Norte e Dois Irmãos, escreveu em 1980, durante uma temporada de estudos em Madri, Brasileiros Perdidos por Aí, seu primeiro livro. Destino final das 245 páginas concluídas em uma noite de inverno: a lareira. Uma amiga com quem o autor dividia apartamento ainda tentou correr para salvar o manuscrito, mas foi inútil. Hatoum afirma que faltava quase tudo para que o texto pudesse ser considerado um romance.
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José Saramago
O romance Claraboia, que seria o segundo da carreira do Nobel português, foi escrito em 1953 e permaneceu inédito até o ano passado. Renegado por uma editora, fez com que o autor, ofendido, amargasse um vazio criativo de duas décadas. Quarenta anos depois, o episódio foi esclarecido: as provas haviam se extraviado e foram depois localizadas durante uma mudança, jamais tendo sido avaliadas por um editor. Saramago não quis ver o livro publicado em vida.
Paulo Coelho
Um dos maiores best-sellers mundiais dos últimos tempos renega os trabalhos concebidos antes de O Alquimista (1988), seu primeiro grande sucesso. O Manual Prático do Vampirismo (1986) é um entre os muitos títulos que foram rejeitados pelo mago brasileiro. O livro, recolhido pouco tempo depois do lançamento devido ao temor de que os leitores resolvessem colocar em prática as técnicas descritas, fortaleceu a imagem de Coelho como ocultista.