São pelo menos oito interdições pela Vigilância Sanitária de Florianópolis entre 2009 e 2015, além de 12 multas que totalizam cerca de R$ 100 mil. Esse foi o caminho do laboratório Gênesis, de Florianópolis, até o dia 1º de julho, quando a prefeitura interditou definitivamente e cancelou a licença da empresa de saúde. As irregularidades apontadas vão desde a precariedade das instalações até a utilização de produtos químicos com validade vencida, e o responsável pela empresa, Fernando Cesar Piroli, teve o registro suspenso pelo Conselho Regional de Farmácia catarinense (CRF/SC). Apesar do histórico pouco confiável, o fechamento só foi possível após uma determinação judicial de nova vistoria no laboratório, alvo de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual (MPSC).
Continua depois da publicidade
A prefeitura não informou o valor repassado ao laboratório desde o primeiro contrato, em 2009. No entanto, levando em consideração o teto mensal de R$ 25 mil e R$17,5 mil, do primeiro e do segundo contrato, respectivamente, o repasse entre janeiro de 2009 e o começo de de 2016 pode ter rendido mais R$ 1,9 milhão à empresa. Os serviços laboratoriais clínicos prestados são pagos através SUS. O Ministério da Saúde informou que a fiscalização dos laboratórios que prestam esse tipo de serviço cabe às vigilâncias municipal e estadual.
O laboratório Gênesis realizava exames clínicos – urina e sangue, entre outros – para planos de saúde privados e públicos. Após recomendação do MPSC, a Secretaria Municipal de Saúde suspendeu a demanda de exames para a empresa em janeiro deste ano, apesar de ter concedido alvará cerca de seis meses antes e ainda prorrogado o contrato em dezembro de 2015, estendido até o final de 2016. Em março deste ano, o juiz José Maurício Lisboa determinou uma nova inspeção da Vigilância Sanitária no local. Em nota publicada no site da prefeitura, o gerente da vigilância, Artur Amorim, falou sobre o resultado da visita ao laboratório Gênesis: “O péssimo histórico do estabelecimento comprovou que ele não é capaz de exercer as atividades respeitando a legislação sanitária em vigor, resultando em grave risco à saúde pública”.
A denúncia contra o laboratório Gênesis foi apresentada pela promotora Sônia Groisman Piardi, responsável pela área da saúde pública da 33ª Promotoria da Capital, no dia 16 de fevereiro deste ano. O objetivo da ação, que tem como réus Fernando Piroli, Laboratório Gênesis e o Município de Florianópolis, foi a interdição imediata da empresa e seus postos de coleta de exames.
Continua depois da publicidade
— Finalmente a prefeitura tomou uma atitude concreta. Agora a ação continua, pois essa decisão da Vigilância Sanitária é uma medida administrativa e cabe recurso. Além disso, um dos pedidos da promotoria é o impedimento do Fernando César Piroli de ser responsável farmacêutico de qualquer outro laboratório – explica a promotora Sônia Groisman.
No ano passado, a promotora Sônia Groisman ainda encaminhou cópias de documentos à 12ª Promotoria de Justiça da Capital para investigação de “possíveis atos de improbidade administrativa praticados por servidores públicos no exercício de funções junto à Vigilância Sanitária Municipal de Florianópolis”. Este inquérito ainda não foi concluído.
Denúncias de ex-funcionários deram origem à ação civil pública
Relatos de ex-funcionários do laboratório Gênesis, clientes e técnicos da Vigilância Sanitária Municipal indicam as irregularidades que resultaram em interdições desde setembro de 2009. O biomédico Adão das Graças Martins trabalhou no laboratório entre novembro de 2014 e janeiro do ano seguinte e relata alguns problemas:
Continua depois da publicidade
— Pelas condições de infraestrutura, o local não poderia atender ninguém. Vi alguns reagentes com validade vencida, material que deveria ter sido descartado estava guardado. Se você usa um reagente vencido para uma análise, com certeza o resultado não será confiável.
O ex-funcionário chegou a fazer uma denúncia formal dias após ser demitido da empresa, que funcionava na época mesmo estando interditada. No dia 19 de janeiro do ano passado, fiscais da prefeitura foram até a sede do laboratório, no Centro de Florianópolis, e constataram o funcionamento irregular da empresa. Na ocasião, o responsável, farmacêutico Fernando Cesar Piroli da Silva, foi levado para a 1ª Delegacia de Polícia da Capital, onde foi registrado um boletim de ocorrência contra o empresário.
— Em pouco mais de dois meses que trabalhei no Gênesis, o laboratório sempre funcionou de portas fechadas. Achava estranho, mas precisava do emprego. Denunciei depois porque fiquei com medo de perder o registro de biomedicina – conta Adão.
Continua depois da publicidade
De acordo com a ação civil pública movida pela 33ª Promotoria de Justiça da Capital, que responde pela defesa da saúde pública, atos de desobediência a interdições da Vigilância Sanitária são frequentes desde 2009, quando a sede da empresa ficava em outro endereço, também no Centro da cidade.
Responsável por laboratório teve registro suspenso no CRF/SC
Identificado como responsável técnico pelo Laboratório Gênesis no site da empresa, o farmacêutico Fernando Cesar Piroli da Silva teve o registro de farmacêutico suspenso por 12 meses pelo CRF/SC, em decisão de processo ético-disciplinar divulgada no dia 20 de novembro de 2015. Em resposta por e-mail, a assessoria de imprensa do CRF informou que o motivo da abertura do inquérito foi o histórico de interdições e denúncias de irregularidades do laboratório.
Fernando Piroli entrou com um recurso no Conselho Federal de Farmácia (CFF) contra a decisão do plenário do conselho catarinense. Segundo o CRF/SC, o recurso na esfera federal tem efeito suspensivo sobre a decisão local. Portanto, Fernando pode continuar a exercer a função de farmacêutico até que o CFF analise o caso. Além desse caso, Fernando Piroli respondeu a outros dois processo éticos pelo CRF/SC desde o ano 2000. A assessoria do conselho regional preferiu não comentar sobre os outros casos.
Continua depois da publicidade
A reportagem tentou contato com o advogado de Fernando, Marco Antônio Melchiors, por telefone na tarde de terça-feira e não obteve retorno. Em fevereiro, após a entrega da denúncia pelo MPSC, Melchiors e o próprio Fernando conversaram com o DC sobre a situação do laboratório Gênesis. O advogado informou à época que o laboratório estaria em “condições de funcionar” e que várias denúncias “não procediam”.
Na época, Fernando Cesar Piroli da Silva comentou as denúncias de ex-funcionários, servidores da Vigilância Sanitária e também de clientes do laboratório. Ele negou o uso de reagentes com validade vencida e que tenha desrespeitado a interdição municipal registrada dia 19 de janeiro de 2015:
— As amostras foram analisadas no laboratório de um plano de saúde. Quando a Vigilância Sanitária chegou com a Guarda Municipal, estávamos apenas estocando o material. Isso só ocorreu por causa da denúncia de um funcionário que eu havia demitido dias antes.
Continua depois da publicidade
Problemas citados na ação do MPSC
1) Laudo falso:
Documentos apresentados por Fernando Cesar Piroli da Silva em 2011 para a Vigilância Sanitária “possuíam inconsistências e indícios de adulteração”, de acordo com o MPSC. Seriam certificados incompletos utilizados como resposta para as autuações da fiscalização. No total, documentos não reconhecidos por quatro empresas foram citados no processo. Joarez da Silva Vieira Júnior, proprietário da JR Hidroquímica, uma das empresas citadas, denunciou Fernando e uma gerente administrativa da JR Hidroquímica. Em 30 de maio de 2011, ele afirma ter feito um orçamento para análise da água do laboratório, uma exigência da Vigilância Sanitária, mas não obteve retorno do Gênesis. Cinco meses depois, recebeu uma ligação de fiscais da prefeitura informando que Fernando teria apresentado um laudo da empresa de Joarez.
“Posteriormente, por meio de ligação telefônica, Fernando alegou que uma ex-secretária sua havia falsificado o laudo da empresa e que gostaria que o depoente não comentasse o ocorrido com a Vigilância Sanitária, pois temia possível exposição na mídia. Comentou que ele ainda propôs contratar a JR Hidroquímica para analisar a água do Laboratório Gênesis, já que necessitava apresentar laudo para a VISA Municipal, mas que recusou a proposta.”
2) Postos interditados e médica punida pelo Cremesc:
O Laboratório Gênesis manteve pelo menos cinco postos de coleta, entre 2011 e 2013, nos bairros Centro, Coqueiros, Lagoa da Conceição e Ingleses, em Florianópolis; e Kobrasol, em São José. Todos os postos também foram interditados quando a sede sofreu punição. O posto de coleta da Lagoa da Conceição funcionava em uma clínica médica. A médica responsável pelo espaço chegou a ser punida com uma “censura pública em publicação oficial” pelo Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (Cremesc), em abril de 2014, por ter permitido funcionamento irregular de posto de coleta no seu consultório.
Continua depois da publicidade
3) Usuário denuncia péssimas condições estruturais:
A promotoria incluiu na ação civil pública ainda registros de reclamações de clientes do laboratório. Em junho de 2014, uma usuária denunciou as condições sanitárias do Laboratório Gênesis e a precariedade do atendimento prestado no local. Segue um trecho do depoimento da pessoa, que teve sua identidade preservada no processo:
“(…) ao ser chamada, a salinha de coleta era também suja, com a cadeira coletora velha (caindo o braço), a pia estava suja, com pontos que me pareceram pontos de sangue (não havia água). Em cima do balcão da pia, havia um prato quadrado de plástico, forrado com papel toalha- desses de secar a mão, cinza, de péssima qualidade – e em cima desse prato, seringa aberta e algodão usados, expostos. A técnica que me atendeu não usava luvas, e retirou esse material do prato e colocou numa lixeirinha o canto da salinha.”
4) Proprietário foi levado à Delegacia para registro de B.O. por desobediência de interdição:
Após ser demitido, no começo de 2015, o biomédico Adão das Graças Martins denunciou à Vigilância Sanitária Municipal que o Laboratório Gênesis estaria funcionando mesmo sob interdição, e com material inadequado. No dia 19 de janeiro, fiscais da prefeitura foram até a sede do laboratório, na rua Presidente Nereu Ramos, no Centro de Florianópolis, e constataram que a empresa estava funcionando. Três funcionários do laboratório informaram que Fernando Cesar Piroli da Silva teria mentido sobre a situação da empresa:
Continua depois da publicidade
“Os funcionários confirmaram o funcionamento do estabelecimento, alegando que o proprietário informou que o mesmo estava liberado às atividades.”O laboratório recebeu um novo auto de infração. Além disso, na ocasião, Fernando Cesar Piroli da Silva foi conduzido pela Guarda Municipal para registro de Boletim de Ocorrência por ter desobedecido uma ordem de interdição.
Linha do tempo
– 04/04/2008: Autos de intimação da Vigilância Sanitária apontam 74 irregularidades no Gênesis
– 04/12/2008: Após chamada pública, prefeitura firma contrato nº 693/2008 com Laboratório Gênesis para serviços de patologia clínica através do SUS. Valor informado é de até R$ 29.835,60 por mês
– Julho/2009: Primeira interdição total do laboratório
– 09/09/2009: Apesar da interdição, fiscalização verificou que postos de coleta em Coqueiros e Ingleses estavam em funcionamento, gerando novos decretos de interdição e multa
Continua depois da publicidade
– 09/12/2009: Laboratório volta ser multado e Vigilância Sanitária interdita posto de coleta que instalado em consultório médico na Lagoa da Conceição
– Março/2010: Vigilância Sanitária constata “desobediência quanto às ordens de interdição e repetição de inúmeras irregularidades”
– 19/10//2011: Após novas vistorias, laboratório é novamente autuado, multado e interditado
– 25/10/2011: Interditado mais uma vez por está funcionando à revelia
– 17/06/2013: Prefeitura aprova primeiro aditivo ao contrato, prorrogando até 31/12/13
– Agosto/2013: Gênesis realiza exames laboratoriais a segurados do Plano SC Saúde, do Governo do Estado
Continua depois da publicidade
– 22/11/2013: Aprovação de segundo aditivo, prorrogando até 30/04/14
– 29/04/2014 : Terceiro aditivo, estendendo o contrato até 30/06/14
– 30/06/2014: Após outra chamada pública, prefeitura faz novo contrato com Laboratório Gênesis, nº 654/2014, no valor de R$ 17.491,50 como teto mensal
– 12/11/2014: Primeiro aditivo ao contrato, prorrogando até 31/12/15
– Dezembro/2014: Interdição da nova sede do laboratório, instalado na rua Presidente Nereu Ramos, Centro de Florianópolis
– 19/01/2015: Vigilância Sanitária verifica que laboratório estava funcionando mesmo sob interdição. Responsável pela empresa, Fernando Piroli, é conduzido pela Guarda Municipal à 1ª DP para registro de boletim de ocorrência por descumprimento de interdição
Continua depois da publicidade
– Junho/2015: 33ª Promotoria de Justiça da Capital requisita à Polícia Civil instauração de quatro inquéritos policiais para apurar possíveis crimes cometidos por Fernando Piroli. Apenas um foi concluído até o final de fevereiro deste ano, sem indiciamento do farmacêutico
– 02/06/2015: Vigilância Sanitária concede alvará para Laboratório Gênesis com validade até 18/05/16- 02/07/2015: MPSC recomenda ao secretário Municipal de Saúde, Carlos Daniel Moutinho Jr, a suspensão e posterior rescisão do contrato com o Laboratório Gênesis
– 15/07/2015: Secretário Carlos Daniel Moutinho Jr determina “imediata suspensão de agendamento de exames” com o Laboratório Gênesis
Continua depois da publicidade
– 28/09/2015: Segundo aditivo, diminuindo o valor do teto mensal em R$ 5mil
– 09/12/2015: Terceiro aditivo, prorrogando o contrato até 31/12/16
– 28/01/2016: Prefeitura acata recomendação do MPSC e suspende contrato
– 16/02/2016: 33ª Promotoria de Justiça da Capital protocola ação civil pública contra Fernando Piroli, Laboratório Gênesis e Prefeitura de Florianópolis
– 15/03/2016: Juiz determina que prefeitura faça nova vistoria no laboratório
– 30/05/2016: Técnicos da Vigilância Sanitária fazem vistoria no laboratório Gênesis e verificam “alterações na área física” sem notificação para a prefeitura, e resolvem interditar definitivamente a empresa
– 01/07/2016: Prefeitura interdita e cancela licença do laboratório Gênesis