Líderes políticos e entidades que acompanham o estado da malha rodoviária de Santa Catarina são unânimes em afirmar que as estradas catarinenses exigem melhorias com urgência. É consenso também que isso deve passar pela ampliação e constância dos investimentos, em especial nas rodovias sob gestão pública, as piores do Estado. A expectativa sobre isso para o próximo ano, no entanto, é pessimista.
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O diagnóstico comum sobre o estado ruim da malha rodoviária do Estado foi testemunhado pelo NSC Total em uma viagem de 2.339 quilômetros. A reportagem passou por 16 rodovias catarinenses presentes em ranking da Confederação Nacional do Transporte (CNT) de novembro, que escolheu um trecho de Santa Catarina como o pior de uma via federal no país, depois de rodar 110 mil quilômetros no Brasil.
A jornada da reportagem atravessou o Estado do litoral à fronteira com a Argentina, tocando as divisas com o Paraná e o Rio Grande do Sul, e passando por 96 municípios. Foram oito dias de viagem, entre novembro e o início de dezembro, e 19 rodovias visitadas, incluindo três não elencadas pela CNT.
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A previsão de verbas para as rodovias federais e estaduais para 2023 está hoje em discussão no Congresso Nacional e na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), que elaboram os orçamentos da União e do Estado, respectivamente. Ao menos no primeiro caso, a indicação até aqui é “catastrófica”, segundo afirma o deputado federal Darci de Matos (PSD-SC), que coordena o Fórum Parlamentar Catarinense (FPC), como é chamada a representação da bancada do Estado em Brasília.
— Para o ano que vem, é uma tragédia grega. O orçamento caiu quase dois terços, então as obras de Santa Catarina, que já vinham andando lentamente, vão praticamente parar — diz o deputado.
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Na ocasião em que falou à reportagem, as obras em andamento nas BR’s 470, 280 e 163, por exemplo, tinham previsão de contar com R$ 53,3 milhões, R$ 47,8 milhões e R$ 10,8 milhões cada — os valores são menores do que os deste ano, de R$ 76,9 milhões, R$ 76,8 milhões e 26,7 milhões, respectivamente; e as obras necessitam cada de R$ 468 milhões, R$ 957 milhões e R$ 178 milhões para conclusão.
O texto ainda tramita na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) e, antes de ir para votação no Plenário, pode receber alterações do relator, o senador Marcelo Castro (MDB-PI).
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Até esta quarta (14), a deputada Angela Amin (PP-SC), única catarinense a integrar a CMO, havia tido indicação do relator de que seriam acrescidos mais R$ 60 milhões e R$ 39 milhões aos orçamentos da 470 e da 282, que deve ter obras de inclusão de terceira pista; e o FPC tentava emplacar uma emenda de bancada de mais R$ 114 milhões para serem distribuídos entre quatro BR’s (470, 282, 280 e 163).
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Mesmo após votados, os valores previstos podem não se cumprir em obras no próximo ano, o que foi comum em 2022, com cortes do que já estava garantido no orçamento. A cena se repetiu na última terça (13), quando o governo Jair Bolsonaro (PL) remanejou R$ 31 milhões de rodovias federais no Estado.
— Hoje o tocador de obras se preocupa mais com o orçamento do que com a meteorologia. Temos que ter alguma garantia de continuidade dessas obras — diz o senador Esperidião Amin (PP-SC).
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O parlamentar diz que, para além do vai e vem do orçamento, a solução para ampliar o investimento público nas rodovias no Estado deve passar por uma revisão do atual teto de gastos da União — a equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já tenta furar hoje essa regra com a PEC de Transição, em discussão no Congresso, mas para bancar programas sociais, como o antigo Bolsa Família.
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— É impossível continuar com essa regra, que não dá exceção a nenhuma obra de infraestrutura, habitação ou saneamento. Tem que haver uma nova regra, que não abra para tudo, mas ao menos para investimento estratégico para o país, seja no campo social ou na infraestrutura. O teto é asfixiante.
Já o deputado Darci de Matos, que encerra seu mandato ao final deste ano, afirma que a briga do Estado deve ser por reequilibrar os repasses que recebe em relação ao que arrecada de impostos federais — em 2021, Santa Catarina recebeu R$ 12,5 bilhões da União, mas mandou valor recorde de R$ 72 bilhões.
— Se a economia reagisse, o orçamento melhoraria. Nós mandamos muito dinheiro para Brasília, pagamos a conta de muitos Estados deficitários. Enquanto não for aprovado o pacto federativo, que repactua a distribuição desse dinheiro, vai continuar assim — afirma.
Os dois lembram que, desde dezembro do ano passado, as estradas federais em Santa Catarina em obras contam com aporte do governo estadual, o que não deve ser continuado pela gestão Jorginho Mello (PL).
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Ainda na campanha, o agora governador eleito disse, via assessoria de imprensa, que a obrigação de bancar obras nas BR’s é da União e que iria mirar apenas na articulação política para garantir isso. Disse ainda que, no caso das rodovias estaduais, aplicaria R$ 210 milhões ao ano na manutenção delas. A reportagem tentou refazer contato com Jorginho, mas não teve retorno.
O NSC Total também procurou o Ministério da Infraestrutura, chefiado por Marcelo Sampaio Cunha Filho. A pasta comunicou não ter porta-voz no momento nem respondeu às questões enviadas por e-mail e sugeriu que o andamento das obras federais no Estado fosse tratado com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).
A reportagem solicitou então entrevista com o superintendente substituto da autarquia em Santa Catarina, Alysson de Andrade. O Dnit informou, contudo, também não ter um porta-voz e que responderia aos questionamentos em nota, tendo tratado apenas de parte deles.
“A Autarquia esclarece que realiza nas estradas sob sua administração — conforme a necessidade — serviços de tapa buraco e recuperação do pavimento sempre que as condições climáticas são favoráveis. Desta forma, a Autarquia garante condições de trafegabilidade das rodovias”, escreveu o Dnit, ao ser questionado se considera ruins as condições de rodovias federais no Estado.
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Em um comunicado anterior à reportagem, do início de novembro, quando a CNT listou a BR-163 em Santa Catarina como o pior trecho de uma rodovia federal no país, o Dnit havia afirmado lidar com falta de recursos.
“O DNIT monitora mensalmente a malha rodoviária sob sua jurisdição e trabalha para garantir o melhor nível de serviço, a partir do orçamento disponível. E mesmo diante de um quadro de severa restrição orçamentária, o Departamento tem atuado para dar continuidade às ações previstas no Plano Nacional de Logística”, apontou na ocasião.
Na avaliação do atual secretário de infraestrutura e mobilidade do Estado, Thiago Vieira, o investimento estadual nas obras federais foi um acerto do governo Carlos Moisés (Republicanos). Ele diz também entender que a gestão atual deixa um malha estadual regular para o sucessor.
— Em 2019, tínhamos um estado alarmante. Hoje a realidade já mudou graças aos investimentos. Não temos ainda as rodovias que merecemos e desejamos, mas avançamos muito. E todos os trechos em que ainda não avançamos em obras, já há projeto ou licitação encaminhada — diz.
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Entre entidades do setor privado, a avaliação é de que investimentos robustos e com garantia de continuidade podem vir de concessões. É o que defende Egidio Martorano, gerente para assuntos de transporte e logística da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc).
— É a única forma que temos de ter alguma independência do governo federal, para resolver os nossos problemas. A gente sabe que é difícil para o político defender o pedágio, existe contrariedade sobre concessão, mas é um jeito de achar a nossa solução para Santa Catarina. O Brasil tem uma agenda tão grande de saúde e educação que não há justificativa para o governo aplicar em rodovias. E há uma dificuldade de gestão, não tem nem como planejar, porque o dinheiro vem em conta-gotas.
Ele aponta ainda que Santa Catarina deve pensar em um novo Plano Estadual de Logística de Transportes (Pelt), que integre outros modais, como o ferroviário, à atual malha viária e alivie a sobrecarga imposta às rodovias.
— É importante que se desenvolva um Pelt novo, identificando oportunidades e corredores logísticos. Ele deve levar em consideração o arranjo produtivo do Estado. Porque aqui, por exemplo, não é só colocar soja em um caminhão e levar para o porto, ela serve para suprir a nossa indústria. É importante ter um planejamento integrado, levando em consideração o conceito de intermodalidade.
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Vice-presidente do Sindicato da Indústria da Construção Pesada no Estado de Santa Catarina (Sicepot-SC), o engenheiro civil Gabriel Vieira faz coro à Fiesc e diz que os pacotes de concessões de rodovias deveriam integrar, além de BR’s, trechos estaduais, que costumam sofrer desgaste sem contrapartida alguma ao servirem de “rotas de fuga” para motoristas que desviam de vias federais pedagiadas.
— Teria que ser mais modesto e acessível, com tarifa módica. Não é para cobrar R$ 10 para ir de Rio do Sul a Trombudo Central, por exemplo. É para poder fazer a manutenção do patrimônio — diz, citando uma hipotética concessão que englobasse a BR-280 no Litoral Norte, a Serra Dona Francisca e a SC-108.
O governador eleito Jorginho Melo afirmou ao menos durante a última corrida eleitoral, no entanto, ser contrário à concessão de rodovias estaduais. No caso das federais, ele se mostrou favorável.