Primeiros dias de janeiro, toca o telefone na redação do DC, em Florianópolis. Do outro lado da linha, a assessoria de imprensa de Karol Conka, com quem vinha negociando uma entrevista há semanas, avisa:

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– Conseguimos um horário para a Karol falar contigo.

– Quando?

– Agora.

Jornalistas que cobrem o universo artístico dominam uma regra básica. Quanto mais sucesso a estrela está fazendo, mais difíceis se tornam uns minutos de atenção da agora disputada agenda. Karoline dos Santos Oliveira viveu em 2016 um dos anos mais intensos de sua carreira musical. Estourou para o grande público depois de uma apresentação na abertura da Olimpíada no Rio de Janeiro e, segundo o Ibope, foi vista por pelo menos 28 milhões de brasileiros. O The New York Times a configurou como uma resposta brasileira à Beyoncé. Depois, contrariando o que se espera de uma estreia deste tamanho, contou que não ficou nervosa no Maracanã. Inclusive, cochilou umas boas horas antes de subir no palco ao lado de MC Soffia. Mais Conka, impossível.

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A trajetória da rapper curitibana, 30 anos completados no primeiro dia de janeiro, vai bem além da exposição midiática mais poderosa que já encarou. Suas letras são declarações de independência feminina, contra o racismo, a favor da liberdade das escolhas. Mulheres, gays, negros, pobres e minorias em geral são temas dos quais ela não foge à sua própria luta.

Karol é fruto da internet, do MySpace, do boca a boca virtual frenético. Faz parte do grupo de artistas que foram escolhidos pelo público sem intermediário, sem gravadora, sem jabá. Lançou um único disco, Batuk Freak (2013), fez videoclipe com estrelas da Globo, ganhou milhões de visualizações com a ótima música Tombei – um hino do empoderamento feminino –, assinou contrato com empresas gigantes de beleza e bebidas, mas não perdeu a essência. É ela, inclusive, que a mantém com os pés no chão. Enquanto enfrenta a própria cobrança para finalizar o segundo e esperado disco, previsto para março, excursiona país afora em shows lotados de fãs e busca tempo livre para ficar com os amigos no apartamento que alugou em Pinheiros, em São Paulo. O filho Jorge, de 10 anos, permanece em Curitiba entre a casa da avó e do pai.

Se o ano passado foi um período intenso, 2017 promete ainda mais movimentação e reconhecimento na vida da Mamacita, como é conhecida pelo público.Além do novo álbum, Conka se prepara para estrear como apresentadora. Em março, ela substitui Ivete Sangalo no comando do programa Superbonita, no GNT. Além do estilo original de seus cabelos cor-de-rosa, figurino lotado de personalidade e despretensão verborrágica, o canal quer contribuir para o que a própria chama de reeducação cultural, tão necessária nos dias atuais.

Neste domingo (22), será a principal atração do projeto Floripa Tem no trapiche da Avenida Beira-Mar, na capital catarinense, com um line-up que reúne seus parceiros do Tropkillaz, além de Don Cesão. As apresentações gratuitas começam a partir das 16h20min. Ao atender o telefone para este bate-papo, simpática e sem papas na língua, Karol Conka disponibiliza seus preciosos minutos diretamente do estúdio onde finaliza a nova produção.

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Você passou o ano de 2016 muito atrelada ao empoderamento feminino. Esse tema está esgotado?

Eu acho que tem que continuar falando, mas tem que saber falar. Esse é um tópico que está bastante em evidência no Brasil, mas tem pessoas que não estão sabendo lidar com o assunto. O que me incomoda é me enxergarem somente como a mulher negra, pobre e que venceu na vida. Temos que nos enxergar como seres humanos, com uma história e uma mensagem para passar, ensinar ou aprender. Eu gosto muito de tocar nestes assuntos, gosto muito de falar de psicologia por que acho que uma das coisas que adoecem o ser humano é a falta de amor próprio, de empatia com o próximo. Então, eu tenho muito mais coisas para falar. Entendo o quanto é importante, principalmente nesta época na qual vivemos, falarmos destes assuntos, feminismo, racismo. Só que tem maneiras de falar, senão fica tudo muito chato. Essa é a minha proposta. Sempre de uma maneira neutra, sem que as pessoas se sintam ofendidas.

Como chegou o convite para apresentar o Superbonita?

Eu recebi um e-mail da produção convidando. Daí, a editora do programa me ligou, eu desacreditei na hora porque achei que era para ser entrevistada pela Ivete (Sangalo, apresentadora por quatro temporadas). Eu achei fantástico, nossa, eu adoro a Ivete, nossa, vamos fazer este programa. Aí, ela falou: não, você será a nova apresentadora, substituindo ela. Mas vocês têm certeza? Olha, eu sou muito louca. A gente quer um programa diferente. A gente criou uma parceria muito legal. O canal tem uma preocupação com o público, com essa reeducação cultural que está rolando. Este convite é a prova de que eles têm uma visão além do que a vista alcança. Fiquei muito feliz, várias ideias, já tenho as entrevistadas, vai ser tombação.

Já começou a gravar?

Começo a gravar no final de janeiro.

Quando sai o esperado segundo álbum?

É pra março. Desisti de lançar no ano passado, porque achei que faltavam algumas coisas, umas três músicas. Nestes últimos dias estou no estúdio para finalizar, ontem estava com o Tropkillaz. Só tenho esse mês para fechar.

Rolou muita pressão para finalizar esse trabalho?

Para trabalhar num disco a gente tem que ter, no mínimo, uma semana tranquila para colocara cabeça no lugar, os temas, as músicas. Eu não gosto dessa coisa de fazer correndo só pra dizer que fez. E, sim, eu me senti pressionada por mim mesma porque me cobro muito, daí essa agenda (movimentada) e muita coisa rolando. E tudo o que está acontecendo eu achava que não fosse acontecer tão já. Muita coisa rolando e não tive tempo de entrar em estúdio. Tem uma pressão, mas estou sabendo lidar com isso. Teve um momento em que eu quase pirei.

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Uma de suas músicas novas chama-se Lalá e faz referência ao sexo oral na mulher. Como nasceu essa letra?

Então (risos), eu fiquei com um cara que dizia que ia arrasar e não foi tudo aquilo. Aí eu comentei com umas amigas e elas estavam passando pela mesma situação. Eu falei: gente,vou fazer uma música, vou falar de uma maneira bem Karol Conka sobre como fazer um lalá decente. Eu ando muito com homens e vejo eles se gabando, falam muito que vão fazer isso ou aquilo, mas na hora não fazem ou mal dão atenção para esta parte do nosso corpo. Não é nem por mal, os caras não foram educados para isso. Em muitas famílias não é normal falar de sexo, na minha é. Não, na verdade só eu que falo (risos), abertamente, sem massagem. Foi um jeito legal de falar e também de lembrar das experiências que tive com alguns boys. Quando alguns amigos ouviram a versão inteira da música falaram: Karol, eu já fiz isso, eu deixei de prestar atenção nisso. Você tem que ensinar os caras. Essa música vem como forma de uma reeducação sexual, não é um ataque. É de adulto para adulto.

Entre tantas músicas que já fez, qual delas você mais gosta, se vê cantando de vez em quando?

Eu amo muito todas as minhas músicas. Mas tem uma que nem é das mais conhecidas, só do meu público, que é a Mundo Loco. Amo essa música porque ela é meu mundo, eu falo que nasci em outro lugar, melodias ao vento convidando para dançar, tudo é lindo, tem uma torta de maçã na janela. Me senti muito poeta, muito lúdica.

Anos atrás, você abriu o show para os Racionais, fez apresentações em locais mais alternativos e agora retorna, menos de dois meses depois de uma apresentação ovacionada em Jurerê Internacional, para o Floripa Tem. Tens um bom público por aqui…

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Eu fiquei um bom tempo sem ir para Floripa, depois fui abrir o show dos Racionais e agora é uma cidade que tem aparecido mais na agenda. Eu adoro, o clima, o público me recebe muito bem. É tipo, a diva chegou (risos).

Quem é o teu público?

Eu não tenho na cabeça um tipo de público formado. Eu vejo as pessoas como seres humanos. Vai muita gente do sertanejo no meu show, do samba, do rock, do funk. Então são pessoas que se identificam com a mensagem que eu tenho para passar, independente da cultura que elas vivem.

Em entrevista ao Programa do Bial você falou da previsão sobre o sucesso, a vida que estaria vivendo hoje. Citou o livro O Segredo (Rhonda Byrne), um grande sucesso e também muito questionado por quem não gosta de autoajuda. Como foi isso?

Esse lance de as pessoas falarem: logo você lendo um livro de autoajuda. Mas todo mundo precisa de autoajuda, autoconhecimento. A gente precisa disso para seguir mais tranquilo na vida. E não é nada feio a gente buscar informação. Que triste as pessoas acharem que se você vai atrás de um livro desses você é fraca. Na verdade, elas que são fracas, não têm coragem de fazer algo novo e perceber que merecem algo melhor do que estar nesse ciclo vicioso de que merecemos sempre menos. Eu procuro não viver assim.

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Você nasceu em Curitiba, considerada a capital mais gelada do país. Qual a sua memória da estética do frio? Ela a influenciou de alguma maneira?

É uma coisa bem interessante de pensar porque é o clima, né? Eu acho que, por conta do frio, a gente fica mais reservado e mais cauteloso e leva isso para tudo na vida. Sempre achei que a galera do Sul, principalmente os curitibanos, são considerados antipáticos, ou sem simpatia, sei lá. Também sentia isso, entrava no elevador de manhã, dizia bom dia e ninguém cumprimentava. Mas acho que é uma coisa minha, sou de família baiana, uma família sorridente. A minha mãe sempre falava isso: aqui é frio, a gente vive encolhido. Acho que foi isso que o frio trouxe pra mim, ser mais reservada e cuidadosa (risos). Não que quem nasceu no calor não se cuide.

Na correria que sua vida se tornou, o que te faz feliz no momento?

Eu gosto muito de estar com o meu filho e ficar na minha casa (em Pinheiros, São Paulo). Eu amo ficar o dia inteiro de pijama. Chamo uns amigos no final da tarde, tomamos umas cervejas, ficamos conversando. Amo ficar com a minha família.

E o que te irrita?

Mentira. Mentira de pessoas próximas. Mas é muito difícil alguma coisa que me deixe assim.Me irrita quando é alguma coisa que interfere na minha carreira. Eu fico puta.

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Onde você quer chegar?

Eu quero ser mais sábia, aprender mais com a minha carreira, com as coisas que recebo. E que a minha música seja sempre útil para aquelas pessoas que estão precisando de uma palavra de conforto. Só por elas que estou aqui. Sou muito ansiosa, mas tenho uma compreensão de vida que quero passar para as pessoas. Eu não atingi nada, continuo em aprendizado, conquistando pessoas. Ainda tem muita gente que não me conhece, não conhece meu propósito.

Floripa Tem

O quê: shows de Karol Conka, Tropkillaz e Don Cesão

Quando: domingo (22), a partir das 16h20min

Onde: Trapiche da Beira-Mar Norte, em Florianópolis

Quanto: gratuito

Informações: facebook.com/TemFloripaTem