Radicado há seis anos no Brasil, o alemão Kai Enno Lehman diz estar totalmente adaptado ao Brasil. Depois de um tempo morando no Rio de Janeiro, se mudou para São Paulo para lecionar na Universidade de São Paulo (USP). Especialista em relações internacionais, Lehman afirma que a crise econômica deixou cicatrizes diplomáticas entre os europeus, mas que, apesar disso, a chanceler alemã, Angela Merkel, sai fortalecida para as eleições nacionais que acontecem no final de setembro.
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Zero Hora – Diferente de outros países da Europa, a Alemanha dá sinais claros de recuperação econômica. Entre os alemães já existe um clima de otimismo ou persiste ainda um certo ceticismo em relação ao futuro?
Kai Enno Lehman – Para falar a verdade, os alemães nunca são completamente otimistas. Não é da nossa natureza. Por isso, ainda persiste uma certa apreensão em relação ao futuro. A economia alemã vai bem, mas os indicadores são frágeis, pois dependem da resposta e do desempenho de outros países. A Alemanha é uma nação que produz muito e exporta muito. Então, se a China desacelera ou os mercados vizinhos não vão bem a Alemanha sofre junto. Problemas alheios nos afetam diretamente.
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Zero Hora – Podemos dizer que o pior já passou?
Lehman –Em termos econômicos aparentemente sim. A economia europeia ensaia sair da recessão. A própria Grécia já espera resultados melhores em 2014. Mas não tenho certeza que isso signifique o fim de uma crise política que se instaurou. A desconfiança entre os países é muito grande, o que não é bom para quem se diz inserido em uma comunidade. A Grécia pretende pedir mais um pacote de resgate, mas não há certeza que isso vá trazer impactos positivos para melhorar os aspectos sociais. Existe dúvidas de como os países vão lidar com uma taxa de desemprego acima de 20% e com a intensa migração de jovens como ocorre atualmente na Espanha e Grécia. Tudo isso terá impactos no futuro, mas hoje ainda a é impossível dizer o tamanho disso.
Zero Hora – Quais as marcas que ficaram? O que a Europa aprendeu com a crise?
Lehman – É difícil dizer. Não vejo nenhuma transformação no modelo econômico europeu de antes. A Alemanha continua apostando na indústria, assim como a Grécia aposta no turismo e o Reino Unido no setor de serviços. A mentalidade continua a mesma. Não vejo a situação com otimismo. Não vejo mudanças que possam evitar uma nova crise no futuro.
Zero Hora -Houve algum arranhão diplomático entre os países?
Lehman – Houve arranhões claros na relação entre os países. Não á toa, partidos ultrarradicais tiveram um bom desempenho nas urnas na Grécia e na Itália. Mas não vejo uma raiva dirigida a um país específico, mas a classe política como um todo. Persiste um sentimento antipolítico muito forte. Uma sensação de que os governantes não trabalham para o bem do povo. Esse sentimento persiste e é comum a todos os países.
Zero Hora – Como está a situação de Merkel na Alemanha? Ela sai fortalecida da crise?
Lehman – A situação para Merkel na Alemanha é tranquila. As pesquisas apontam que ela vai ganhar as próximas eleições com certa facilidade. O partido dela está com 40% das intensões de voto, enquanto a oposição tem cerca de 27%. A oposição em geral está enfraquecida. Mas ela já está há oito anos como chanceler, se ganhar de novo serão 12 no poder. Então, é natural que ela tenha um desgaste político. Situação comum quando se está a tanto tempo no poder.
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Zero Hora – As discussões sobre o fim da zona do euro estão enterradas ou terminar com a união monetária ainda é uma possibilidade?
Zero Hora – As discussões sobre o fim de uma zona do Euro ainda não estão superados. Está claro que uma unidade monetária sem o mínimo de unidade política não funciona. O principal motivo da comunidade europeia não acabar é que as consequências econômicas seriam imprevisíveis. E politicamente seria desastroso. A UE é o projeto mais ambicioso dos europeus, acalentado durante anos. A impressão é que os governantes farão o que for necessário para manter o projeto vivo. A dúvida é até quando será possível manter o projeto vivo sem construir uma unidade política.