A Justiça de Santa Catarina concedeu uma liminar que suspende a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura um suposto superfaturamento na compra de kits de saúde bucal para um projeto da rede municipal de ensino de Laguna, no Sul de Santa Catarina. Apesar disso, a Câmara de Vereadores aprovou o relatório final na noite desta segunda-feira (8), em meio a manifestações de moradores do município e, agora, aguarda análise do jurídico do legislativo para dar continuidade à ação.
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O pedido foi apresentado pelo prefeito da cidade Samir Ahmad, que foi apontado como um dos envolvidos no esquema. Na decisão do Juizado Especial Regional da Fazenda Pública da Comarca de Araranguá, são apontadas algumas irregularidades que justificariam a anulação do processo.
A primeira é de que houve irregularidades na criação do grupo que faria parte da CPI. Isto porque os vereadores que fizeram parte da denúncia são os mesmos que participaram da comissão.
“No entanto, consoante documentos anexados à petição inicial, infere-se, em uma análise sumária, que referidos vereadores teriam, mesmo que de forma meramente intelectual, formalizado a denúncia que visa apurar a prática de atos de improbidade administrativa da parte autora, por meio da CPI instaurada, o que, em tese, os impediria de compor à referida comissão processante”, diz o texto.
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Superfaturamento e creme dental vencido: os detalhes da compra de “kit de higiene” alvo de CPI em SC
Outro ponto é a inclusão do prefeito como investigado, já que quando ele foi ouvido pela CPI, ele estava na condição de testemunha. “A fim de se evitar eventual ilegalidade, a qual se agrava pelo fato
da parte autora ter sido ouvida como testemunha compromissada em CPI instaurada, na qual passou a ser tratada, ao final, como parte investigada, sem, contudo, ter sido alertada de seus direitos e da possibilidade de ser ouvida na presença de advogado, o pedido liminar comporta acolhimento”, complementa.
A liminar também pediu a suspensão da sessão que ocorreu nesta segunda-feira, onde o relatório final da CPI foi apresentado. No entanto, a reunião ocorreu normalmente, inclusive com a presença de moradores de Laguna que fizeram uma manifestação para que o texto fosse aprovado e o suposto superfaturamento, investigado.
Após a leitura das 17 páginas, o relatório foi aprovado com seis votos. Apesar da Câmara de Vereadores ter 13 vereadores, o restante dos parlamentares não compareceram à sessão.
Com a aprovação, o texto será encaminhado para o jurídico do legislativo, que irá avaliar a decisão da Justiça e se irá impetrar um recurso contra a liminar. Caso ela seja derrubada, o texto deve ser encaminhado para o Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União, Tribunal de Contas do Estado, Polícia Federal e Polícia Civil Estadual, para que promova a responsabilidade civil ou criminal pelas infrações apuradas.
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Entenda o caso
A CPI foi aberta em novembro de 2023 pela Câmara de Vereadores do município. O motivo foi a suspeita de superfaturamento no processo de licitação, que ocorreu em julho do ano passado. A proposta incluía um kit com escova de dente, bolsa ecológica, nécessaire, creme dental e livros educacionais para pais e professores. Também previa uma capacitação dos profissionais da educação.
Mas o que chamou a atenção foi o preço do kit: R$ 1,6 milhão para aquisição. Ou seja, uma média de R$ 600 para cada criança. Outro ponto é que o edital descrevia um projeto que era vendido por uma editora da cidade.
O relatório final foi entregue à Câmara na quarta-feira (3). No documento de 17 páginas, ao qual o NSC Total teve acesso, há informações sobre a análise das provas, a forma como a licitação foi feita, além de como teria ocorrido o suposto direcionamento do processo licitatório e a relação entre os envolvidos, como de parentesco e amizade, por exemplo.
A respeito do superfaturamento e sobrepreço, a investigação fez uma comparação com o que foi pago pela prefeitura e o valor de mercado do produto. Neste quesito, o valor unitário de mercado do material didático do projeto e dos itens do kit para berçário até o 2º ano seria de R$ 64,00. No entanto, a prefeitura teria pago a empresa vencedora da licitação R$ 599,80 por unidade. Já para o kit para quatro anos de idade até o 5º ano, o valor de mercado seria de R$ 72,27, enquanto para a empresa foi pago R$ 599,80.
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“O valor de referência do Pregão Eletrônico nº08/2023 e os respectivos pagamentos às empresas vencedoras constituem um exemplo claro de sobrepreço e superfaturamento dos itens contidos no Kit do Projeto Crescer Sorrindo, tendo sido estabelecido no edital a compra de um produto com valor muito superior ao preço de mercado, causando evidentes e sérios prejuízos ao Erário”, diz o documento.
O relatório também traz o levantamento do preço de mercado dos itens obtidos pela licitação e notas fiscais de quanto custou o serviço da gráfica, que imprimiu os livros dos kits. Outro trecho destaca que alguns lotes de creme dental foram entregues às crianças já vencidos.
Por fim, o documento afirma que os envolvidos fazem parte de uma “organização criminosa destinada a apropriar-se de recursos federais da saúde”. Ao todo, doze pessoas foram citadas entre agentes políticos, públicos, funcionários da prefeitura e empresários vencedores da licitação. Entre os nomes, estão o atual prefeito Samir Ahmad, o vice Rogério Medeiros e uma secretária municipal. A CPI aponta que os envolvidos teriam cometido fraude no processo licitatório.
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