Juiz Rafael Luiz Carmona, de Tubarão, da 1a. Vara da Justiça Federal de Tubarão, concedeu liminar em ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal, suspendendo a eficácia do Termo de Cessão de transferência da locomotiva Pacific 53, do Museu Ferroviário de Tubarão para a Prefeitura de Miguel Pereira, no Rio. A decisão atinge o DNIT, o IPHAN e a Prefeitura de Miguel Pereira. O magistrado fixa multa de 50 mil reais pelo não cumprimento da decisão.

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A referida unidade ferroviária integra o único museu do gênero no Brasil e a decisão do DNIT provocou forte reação das autoridades de Tubarão e de Santa Catarina, mobilizando entidades culturais de todo o Estado.

Confira os principais trechos da decisão do magistrado federal:

“Cuida-se de ação civil pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA em face de MUNICÍPIO DE MIGUEL PEREIRA/RJ, DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES (DNIT) e INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (IPHAN), em que buscam a declaração de nulidade do Termo de Cessão de Uso n. 72/2018, que transfere a locomotiva a vapor classe Pacific, fabricante Baldwin, n. 53, ano 1920, do Museu Ferroviário de Tubarão, em Santa Catarina, para o Município de Miguel Pereira, no Rio de Janeiro. 

Relatam, em síntese, que o veículo operou até o início dos anos 1980, quando a RFFSA o transferiu para a Seção de Tratamento de Dormentes, onde está localizada a sede do Museu Ferroviário de Tubarão, mantido pela Sociedade dos Amigos da Locomotiva a Vapor (SALV), que tem realizado o trabalho de conservação do patrimônio ferroviário e de preservação da memória histórica e cultural do transporte sobre trilhos.

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Afirmam que o Município de Miguel Pereira/RJ pretende utilizar a locomotiva como material rodante para fins turísticos e, por isso, endereçou ao DNIT o pedido de cessão gratuita, o que foi deferido.
Alegam que tal transferência é ilegal porque: a) o DNIT cedeu o uso da locomotiva ao Município fluminense sem considerar a relevância cultural do bem para a cidade de Tubarão/SC, reconhecida por pareceres técnicos do IPHAN (Parecer n. 126/2013 e Parecer Técnico n. 385/2016), e por declaração firmada pelo Superintendente Estadual do mesmo Instituto (Declaração n. 07/2013);  b) viola a legislação estadual que regula o tombamento do patrimônio cultural de Santa Catarina (Lei Estadual n. 17.565/18); e c) desrespeita convenções internacionais que determinam, sempre que possível, a conservação in situ de bens de valor histórico.”

“Passo a decidir sobre o pedido da tutela provisória de urgência.
O meio ambiente cultural inclui o patrimônio artístico, paisagístico, arqueológico, histórico e turístico. São bens produzidos por mãos humanas, mas diferem dos que compõem o meio ambiente artificial em razão do valor diferenciado que possuem para uma sociedade e seu povo.

Nos termos do artigo 216 da Constituição Federal, fazem parte do patrimônio cultural brasileiro “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. O deferimento de tutelas de urgência em matéria de proteção de bens de valor histórico, além de concretizar mandamento constitucional, encontra apoio no artigo 12 da Lei nº 7.347/85, que regula a ação civil pública. Segundo citado dispositivo, o juiz poderá conceder mandado liminar, constatadas a presença de periculum in mora, ou seja, o risco de dano, e de fumus boni iuris, que diz respeito à plausibilidade do direito material.

Já o art. 300 do Novo Código de Processo Civil estabelece que “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.

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Em matéria histórico-cultural, o cerne da tutela jurídica é a prevenção ou a mais completa reparação dos danos ocasionados, visto que estes afetam toda a coletividade e comprometem a própria identidade de uma comunidade e das futuras gerações.”

1. A probabilidade do direito.

No caso em tela, a probabilidade do direito reside no fato de que o objeto desta ação, a locomotiva a vapor classe Pacific, n. 53, Fabricante Baldwin Locomotive Works, ano 1920, enquanto esteve em funcionamento, operou na regisão sul de Santa Catarina e, hoje, é parte integrante do acervo do Museu Ferroviário de Tubarão.

Segundo o art. 4º da Portaria n. 407/2010, do IPHAN, são passíveis de inclusão na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário os bens móveis e imóveis oriundos da extinta RFFSA “Que apresentarem correlação com fatos e contextos históricos ou culturais relevantes, inclusive ciclos econômicos, movimentos e eventos sociais, processos de ocupação e desenvolvimento do País, de seus Estados ou Regiões, bem como com seus agentes sociais marcantes”.


Na declaração n. 07/2013, da então Superintendente Estadual do IPHAN em Santa Catarina, Liliane Janine Nizzola, consta o seguinte (evento 1, PROCADM2, fl. 74):
Declaramos para os devidos fins que o acervo de bens pertencente à antiga Rede Ferroviária Federal S/A, sob guarda do Museu Ferroviário de Tubarão, encontra-se em processo de transferência para o Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN (processo IPHAN n. 01450.007171/2010-12) por ser considerado de interesse histórico e cultural.
Considerando o zeloso e abnegado trabalho já executado pela Sociedade de Amigos da Locomotiva a Vapor na gestão do Museu Ferroviário de Tubarão e deste acervo, findo o processo de transferência envidaremos tratativas para cessão de uso do acervo a esta instituição.
Portanto, por vislumbrar, nos elementos carreados com a inicial, indícios de que a lomocativa compõe o acervo identificado com a história do Município de Tubarão/SC, entendo presente a probabilidade do direito alegado pelos autores.

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“2. O perigo de dano pela demora.
O perigo da demora estará caracterizado pelo Termo de Cessão de Uso Gratuito de Bens Móveis n. 72/2018 (evento 1, PROCADM4, fls. 01-03), do DNIT, assinado em favor da Prefeitura do Município de Miguel Pereira/RJ, e da iminência do transporte da locomotiva para a cidade fluminense.

Conforme informação recebida por telefone, no dia 28/08/2018, pela associação que gere o Museu Ferroviário de Tubarão, a transferência ocorreria nos próximos dez dias, a contar daquela data (evento 1, PROCADM4, fl. 10).

Os documentos anexados à inicial revelam que o Município cessionário tem o objetivo de empregar a máquina a vapor em passeios turísticos. Todavia, ela não estaria em condições de operar, situação que exigria gastos com a reforma do equipamento.

Sendo assim, a suspensão de eficácia da cessão serve de salvaguarda dos recursos do erário que seriam empregados com o transporte e eventual reparo da locomotiva, em circunstância na qual se admite como plausível a declaração de nulidade do termo firmado pelo DNIT.

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“Estão presentes, portanto, os requisitos autorizadores da tutela provisória de urgência.
Saliento, contudo, que, como ainda não foi instalado o contraditório, não é o caso de declarar, neste momento, a nulidade do contrato de cessão de uso, como pleiteiam os demandantes.
É suficiente, a meu juízo, para a proteção do objeto desta ação, a suspensão da eficácia do documento até o julgamento do feito.

Ante o exposto, DEFIRO PARCIALMENTE O PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA para o fim de determinar:

a) a suspensão da eficácia do Termo de Cessão de Uso n. 72, celebrado entre DNIT e Município de Miguel Pereira/RJ, que visa à transferência da locomotiva a vapor classe Pacific, n. 53, Fabricante Baldwin Locomotive Works, ano 1920, do Museu Ferroviário de Tubarão/SC para o Município de Miguel Pereira/RJ;

b) a obrigação de não fazer, destinadas aos réus DNIT e Município de Miguel Pereira/RJ, para que se abstenham de qualquer ato tendente a a retirar a locomotiva, ou qualquer outro bem do acervo do Museu Ferroviário de Tubarão/SC, sob pena de multa, solidária, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

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Intimem-se, com urgência.”