A população carcerária de Santa Catarina cresce numa média de quase 10 novos presos por dia. Nesse ritmo, o sistema prisional do Estado deve terminar o ano com a marca inédita de 25 mil detentos. Atualmente, o déficit de vagas já é de 25%. São 22,7 mil presos distribuídos em espaços planejados para 18 mil.

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Os dados foram apresentados nesta semana pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC), após um roteiro de visitas a estabelecimentos penais. A partir desse mesmo levantamento, o Tribunal prepara uma mensagem de alerta ao governo do Estado.

Um relatório deve ser concluído e enviado até o próximo dia 13 de junho. O que se pretende é reforçar as consequências desencadeadas pela superlotação carcerária, incluindo eventuais solturas de presos. Como resposta, o Judiciário espera algum encaminhamento formal de medidas para minimizar o problema.

— Vai chegar uma hora que o juiz vai soltar por razão de que o Estado não está se movendo. Não é nosso papel procurar vaga, só estamos dando o alerta — aponta o desembargador Leopoldo Brüggemann, coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF) do TJ-SC, voltado ao monitoramento do sistema prisional (leia entrevista abaixo).

Outro problema visto com preocupação pelo judiciário é o quadro de servidores no sistema prisional. Atualmente, são 2,6 mil agentes divididos em quatro turnos. A média é de quase nove presos por agente, enquanto a proporção ideal seria de cinco por um.

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Por causa da falta de profissionais, o Tribunal identificou 562 vagas que poderiam abrigar novos presos em Florianópolis, Itajaí e São Cristóvão do Sul, mas não foram preenchidas devido à carência no monitoramento.

Como alternativa, o Judiciário propõe a implantação de audiências por videoconferência, o que dispensaria o deslocamento de agentes em escoltas, porém depende de investimentos em internet de melhor qualidade nas unidades prisionais.

Outro recurso apontado como alternativa para minimizar a superlotação ainda está em expansão no Estado: as tornozeleiras eletrônicas estão disponíveis em apenas 77 das 111 comarcas porque dificuldades técnicas. Dos 1.187 equipamentos disponíveis, 781 estão ocupados.

A administração do sistema prisional prevê que o limite será alcançado em três meses. O Estado encaminhou a aquisição de 5 outras mil tornozeleiras.

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Administração aposta em obras de ampliação

Com dificuldade para erguer novas unidades em municípios onde há resistência das prefeituras locais, o Estado aposta na ampliação dos estabelecimentos penais já existentes para abrir vagas. As reformas de ampliação, segundo o diretor do Departamento de Administração Prisional (Deap), Deiveison Batista, são voltadas a espaços ocupados por presos do regime fechado.

— Nossa ideia é focar na ampliação de unidades que já existem porque são obras mais rápidas de serem concluídas e também de serem iniciadas. Como as unidades já existem, é mais fácil o processo de aprovação das licenças necessárias. Além disso, com o atual número de servidores a gente consegue operar essa ampliações — aponta.

Apesar das dificuldades em relação a unidades novas, o Estado deve confirmar nos próximos dias a ordem de serviço para a construção da Penitenciária de São Bento do Sul, no Norte do Estado, com capacidade para cerca de 400 detentos.

Em relação à falta de agentes penitenciários, a administração do sistema prisional diz já ter formalizado o pedido ao governo do Estado e que aguarda a aprovação para liberação de um novo concurso. A aprovação, no entanto, depende de análise financeira e do cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.

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Entrevista desembargador Leopoldo Brüggemann, TJ-SC

Desembargador Leopoldo Brüggemann (Foto: TJ-SC, Divulgação)
Não é nosso papel procurar vaga, só estamos dando o alerta

O Estado deve terminar o ano com 25 mil presos. Como o senhor vê esse quadro?

— Tem um fato que ninguém previu. Foi por conta daquele julgamento no 2º grau de jurisdição que permite a prisão tão logo o colegiado julgue o acusado. Hoje, não só por isso, nós temos ainda 8 mil mandados (em aberto). Se nós prendemos hoje entre 9 a 10 pessoas por dia, temos uma média de 3.460 por ano. Nesta projeção, é para 25 mil presos até o final do ano. Em 2017, a média era de quatro presos por dia. Os 9 que entram no sistema hoje são resultado do filtro do filtro, senão seriam 20. Não vamos nunca ficar parelhos ao número de entrada.

Como medidas alternativas à prisão poderiam minimizar a falta de vagas?

— Aqui está o problema. Os 9 que entram por dia são o filtro do filtro. Não tem como dar medida cautelar. Você pega um traficante com 2,5 kg de cocaína. Qual é a cautelar que você vai dar? Ele voltará a traficar. Não há como soltar. E há muitos casos de reincidência. Não há mais o que fazer nesse filtro.

Então, quais os caminhos possíveis para a criação de vagas?

— Visitamos todas as penitenciárias do Estado. Vimos determinados presídios totalmente desorganizados, que tinham até crédito de vagas. Conseguimos arrecadar 486 vagas. Estamos fazendo um papel que o Executivo tinha que estar fazendo. Estamos reunindo dados de todas as penitenciárias, de todas as audiências de custódia, projetando para levar ao governador e dizer: "agora, o seu papel". O nosso já está feito. Vai chegar uma hora que o juiz vai soltar por razão de que o Estado não está se movendo. Não é nosso papel procurar vaga, só estamos dando o alerta. 13 de junho, para mim, é minha data fatal.

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Que o aceno o senhor espera do Estado para resolver o problema? O governo alega que há construções planejadas, mas impedidas judicialmente.

— Só construindo presídio. Tem locais em que se conseguiu autorização e não se construiu. Mas ele (governador) começou agora. Qual é o voto que vamos dar a ele? Entregar o relatório e mostrar: "o que nós temos é isso aqui". No final do ano vamos passar de 25 mil presos para 27,5 mil.

Essa mensagem será encaminhada como um alerta ao governo?

— É um alerta. Porque daqui a pouco, desses 9,5 presos que entram, o juiz vai começar a mandar para casa, vai começar a interditar presídio. Não tem como fugir disso porque não se cria vagas, não se contrata servidores. Vai cair nas mãos do juiz. Se chegar na hora que tiver que prender e não houver vaga, o que ele vai fazer? O que a gente quer ou espera do governador? Não precisa ele baixar um decreto de emergência. Ao menos dizer que aquilo que era base do decreto de emergência (do sistema prisional) talvez fosse aplicado agora, de forma gradativa, com cronograma. Para a gente poder também dar fôlego para o juiz entender, segurar os 9,5 presos que entram todo dia.

Ocupação no sistema prisional

Total de vagas 18.112

Presos 22.746

Vagas para homens 17.113 (21.623 presos)

Vagas para mulheres 999 (1.123 presas)

Déficit de vagas

Em 2014 – 4.350

Em 2019 – 4.634

Novos presos por dia

2014 – 2,7 presos/dia

2019 – 9,5 presos/dia

Vagas ociosas por falta de agentes 562

Penitenciária de Florianópolis 98

Presídio Feminino de Florianópolis 58

Presídio Feminino de Itajaí 286

Penitenciária de São Cristóvão do Sul 120

Fonte: TJ/SC