Os pedaços dispensáveis de madeira, recolhidos pelos pescadores durante o ano todo, montavam até então a estrutura de quatro ranchos de pesca artesanal para a temporada da tainha na praia de Jurerê, em Florianópolis. Com o fim da temporada, após 90 dias, todas essas estruturas eram demolidas e, no ano seguinte, a construção recomeçava. Este ano, porém, a associação dos moradores do bairro construiu ranchos maleáveis, que podem ser desmontados com facilidade, e que de quebra compõe a areia da praia em tons de azul, amarelo e verde.

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Colocados a cerca de 500 metros de distância um do outro, as cores foram escolhidas para representar o ambiente envolto à tradicional temporada. É o que explica o presidente da associação dos pescadores, Luciano Faustino. Ele conta que o rancho amarelo, instalado próximo à Praia do Forte, representa o sol; os azuis em tons diferentes carregam o significado do mar e do céu; o verde, a restinga. Todas, características que precisam entrar em sintonia para que haja o cenário ideal de uma boa pesca.

A temporada da tainha em Florianópolis começou em 1º de maio com a modalidade de arrasto de praia — feita por comunidades que em embarcações pequenas jogam uma rede de cerco para pegar os animais em um “saco”. A rede, assim que o cardume é capturado, é arrastada manualmente pelas extremidades até a areia da praia.

(Foto: Diane Bikel/NSC Total)
(Foto: Diane Bikel/NSC Total)
(Foto: Diane Bikel/NSC Total)
(Foto: Diane Bikel/NSC Total)

Geralmente fazem parte dessa modalidade de 10 a 15 pescadores por rancho, divididos por funções específicas: patrão, vigia, chumbereiro, corticeiro e remeiro — que se mantém no rancho desde antes do nascer do sol. Em Jurerê, todos ainda ganhavam uma outra função em comum: construir o rancho antes do início da temporada.

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Neste ano, as estruturas “gourmetizadas” trouxeram a despreocupação dos pescadores em relação à construção. Elas foram entregues prontas pela Habita Sul, empresa em que em parceria com a prefeitura projetou e construiu os ranchos no bairro.

— Não era fácil, a gente tinha que correr atrás de madeira todo ano, e não é fácil pessoas que ajudam. Nem todo mundo quer doar materiais pra gente, e a Habita Sul abraçou. Eles montaram em menos de uma semana, foi muito rápido e ficou tão lindo — conta Luciano, que não esconde a alegria em ver os novos ranchos instalados.

A estrutura que antes facilitava a entrada de vento frio para os pescadores que se mantinham até a noite na praia, agora mantém eles aquecidos. A “casa” dos profissionais durante os 90 dias da temporada ganhou mais espaço, energia elétrica e fornecimento de água.

(Foto: Diane Bikel/NSC Total)
(Foto: Diane Bikel/NSC Total)
(Foto: Diane Bikel/NSC Total)
(Foto: Diane Bikel/NSC Total)

A organização interna do espaço varia de acordo com o grupo de pescadores. Mesmo assim, alguns objetos se repetem: cabide com roupas penduradas, térmica de café, açúcar, panela no fogo e pão com manteiga.

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— As pessoas nos falam que queriam ter a liberdade a alegria que temos aqui no rancho. A gente tá admirado, principalmente com o respeito pela gente. Tinham pessoas que não respeitavam, não se misturavam com pescador, e agora não. Para nós melhorou 1000%. Esse ano, todos os ranchos que foram feitos, tornou o ambiente mais gostoso. Antigamente ficávamos na areia, por exemplo, era no chão mesmo, passávamos frio muitas vezes. Hoje temos isso, é muito bom — contou ele sorrindo.

Luciano gerencia o rancho da Esperança, agora também conhecido como o “azul escuro”. Quem cuida da do “verde” é Nilson Francisco. Ele conta que no ano passado, o grupo chegou a construir uma estrutura parecida no local. Porém, muito menor, o que dificultava a circulação.

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— Somos nativos, todos daqui de Jurerê mesmo. Esse rancho veio para agregar, estamos muito felizes. A gente gosta muito da pesca — conta.

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No rancho, os 12 pescadores que fazem parte jogam dominó em frente à praia enquanto esperam a chegada de tainha. Os olhos do vigia, porém, segue atento ao mar.

Os que não jogam, permanecem em volta. Olham o mar, levantam para buscar uma xícara de café, voltam sentar ao redor dos colegas. A rotina, conforme conta Nilson, começa por volta das 7 horas no local e acaba quando com a chegada da noite.

— Dividimos tudo. A pesca é isso, compartilhar — diz.

Possibilidade de manter os ranchos no local é estudada

Os novos ranchos de Jurerê chamaram atenção dos moradores, praieiros e da prefeitura, que estuda a possibilidade de manter as estruturas instaladas nos locais fora da temporada da tainha. O medo dos pescadores é apenas um: destruição. Por isso, eles já mapeiam possíveis atividades públicas para serem feitas nos quatro ranchos durante todo o ano.

Luciano, presidente da associação dos pescadores, afirma que pretende criar espaços que beneficiem todo o bairro. Uma das ideias, por exemplo, é ministrar no local mini palestras sobre a tradição da pesca da tainha para estudantes de escolas municipais em parceria com a administração municipal.

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— O rancho, a princípio, tem validade, por causa da licença ambiental. A nossa intenção é manter eles aqui, então pensamos em deixar para uso dos bombeiros, que pode colocar profissionais na praia fora da temporada de verão, por exemplo, oferecer para que seja reforçada a segurança de praia, ou limpeza também. Pode ser um depósito da Comcap. Tenho pensado em muitas possibilidades — diz.

Conforme a prefeitura, o futuro dos quatro ranchos ainda é estudado. A princípio todos são provisórios e devem ser desmontado com o fim da temporada da tainha, em 31 de julho.

— Queremos manter ele ali, estamos viabilizando com outros órgãos da prefeitura. No momento, as estruturas são desmontáveis, então foram feitas para saírem dali — afirma o superintendente do turismo e da pesca em Florianópolis, Adriano Weickert.

Caso os ranchos sejam retirados das praias, o superintendente afirma que todos os ranchos serão colocados em um depósito da prefeitura. Ainda sem destino, o órgão prevê procurar um lugar que possa adequar todas as estruturas, mesmo que seja inciativa privada.

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Veja um antes e depois

(Foto: Arquivo Pessoal)
(Foto: Diane Bikel/NSC Total)

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