A senhora levantou-se com a chegada da filha e de seu namorado e, com forte sotaque italiano, perguntou: “Ele é de origem?”

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Recentemente, em uma sessão solene da Academia Joinvilense de Letras, uma autoridade elogiou um dos membros por ter, o novo imortal, origem. Continuou exaltando a importância da origem por infindáveis minutos. Clamou meu peito por meditar sobre o significado do termo “origem” naquele discurso.Será a origem algo tão imprescindível para que uma pessoa se torne digna e boa? E quanto àqueles que sequer sabem a sua? Meus antepassados se dividem entre negros, índios, europeus e brasileiros. Fosse eu descendente direto de um cepa austríaca, norueguesa, russa ou indonésia, faria tanta diferença? Não saber com exatidão joga-me ao limbo da existência e da nobreza?

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Não falo da origem-causa, daquela que caracteriza um comportamento, uma característica cultural. A história tem nos ensinado que, sim, é imprescindível para o futuro reconhecer o passado. Saber, por exemplo, que a cultura escravagista lançou milhões de negros às margens da sociedade e a alforria os presenteou com a fome, a falta de emprego e o preconceito, que perdura.

Mas importa mesmo para minha estada por aqui saber se minha família veio da Itália, da Alemanha ou da Nova Guiné? É primordial para que eu viva minha vida e trace meu caminho? Ou estou preso ao que foram meus antepassados e nenhuma atitude e nenhum livre-arbítrio me permitirão traçar um caminho a partir do que pretendo para mim, porque aprendi e evoluí? Se pensarmos que reconhecer nossa origem nos permite ser alguém na vida, estamos jogando no lixo a existência de milhões de pessoas que não tiveram a sorte de nascer em bom berço, sob o manto da bonança.

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Que futuro e esperanças terão o órfão, o abandonado e o marginalizado se a eles a origem está encoberta pelo que a sociedade lhes causou? Se, para eles, tudo se origina na desventura de terem nascido sem casta e verem que sua árvore genealógica é apenas um toco seco nessa selvagem e devastada floresta social.