Na tela, um filme de ficção científica. No colo, um pote grande de pipoca e, pelo canudinho, sorvia um veneno negro cheio de gás. Era uma quinta-feira, semana caminhava para o final com quase todos os compromissos cumpridos. Apreciava o que o filme propunha, sem preocupações, sem filosofar, sem filtros. Saí do cinema feliz com o que tinha visto, e bem feliz com o que tinha esquecido: a política nacional, a minha crise financeira, gente que incomoda.
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Quando você está quase tocando a nuvem, a gravidade ou o que é grave o puxa para o chão. Leio crítica de renomado especialista ao filme dando conta do machismo contido, da submissão da mulher, do absurdo do roteiro, da atuação de alguém. Entristeço-me porque não fui capaz de perceber isso. Será que o machismo está tão arraigado em nossa cultura que eu ache natural?
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Tanto quanto a tristeza de ver em mim a desprezível cultura exposta, entristeceu-me não ter mais o direito de simplesmente ver sem filtros, e rir, e me emocionar com um clichê barato, e ir para casa sentindo que a vida não é tão ruim assim.
Sei que há inúmeras teorias da conspiração, mil bandeiras a serem erguidas e um dever cívico que nos impede a boa ignorância, e que negligenciar é tão grave quanto apertar o gatilho, mas não raras vezes sinto vontade de me fechar em meu mundo perfeito, na poesia de uma página, nas cores de um quadro. Contudo, e é de tirar o sono, há uma responsabilidade inquietante mastigando-me o cérebro. E ser escritor aumenta isso, posto que você, teoricamente, tem o dom da palavra e o estudo e a informação e o discernimento, mas você não passa de um humano que não aprenderá tudo nem que viva 500 anos.
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Como não percebi a mensagem no filme? Quantas vezes nos deixamos levar assim sem questionar por que não soubemos ler as entrelinhas? Por quanto tempo ainda vamos comprar as ideias dos outros e achar que somos responsáveis? Por quanto tempo vamos aceitar o machismo, o xenofobismo, a misoginia, o racismo, o radicalismo religioso e acharmos que o que vimos foi divertido e que a pipoca estava boa e que o gás da Coca é o que há?