No chão, sobre as cores de um tapete de borracha, um sapo, uma tartaruga e uma menina debruçam-se sobre livros. Acima deles, algumas obras da literatura local penduradas, uns arranjos de folhas e um longínquo telhado. Ao redor, murmurinho de vendedores e compradores de livros. Há uma feira em volta dos três personagens.

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Em horários determinados, o pavilhão é preenchido por vozes infantis em alvoroço, as crianças libertas das salas de aula agitam-se como o trigo em dias de vento forte. Talvez sejam mesmo trigo sendo sovado para crescerem e, em fôrmas um tanto irregulares, tornarem-se pão social.

Preparo um café que vou oferecer a Zeca Machado. Ouço vendedores de assinaturas lançando mão de mil artifícios para laçar professores que passam. Olho mais uma vez para a capa de Coração Guarani, de Marlete Cardoso e entro nos olhos de Kretu-Retê nos traços de Malu. Sinto o cheiro do café, viajo longe em paragens de um passado infinitamente presente. Sinto presença.

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Um menino aproxima-se, deve ter sete anos, tem olhos de um azul inquieto, cabelos ondulados e sobrancelhas questionadoras. Para diante do sapo e vira-se na direção da tartaruga. Depois, com um leve movimentar de cabeça, foca a boneca imóvel com os olhos fixos em um livro. Fala-me com tom inquisidor:

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– Eles não estão lendo de verdade.

– Eu acho que estão – respondo, mostrando minha irredutível crença na fantasia.

– Não estão, não. Estão parados.

– E se você usar a imaginação? – insisto.

– Ela só vai ler se for manipulada. Onde que põe a mão?

Desisto, a realidade tomou conta daquele garoto de sete anos e esmagou o que havia de imaginação. Ele segue seu caminho, correndo com os outros amigos, sem olhar para os livros expostos na feira, que aguardam um olhar cúmplice ou ao menos um de curiosidade. Volto para meu lugar, sento imaginando se aquele menino representa um tipo de evolução, se sou obsoleto e bobo ou se há algo de errado na forma como as crianças vêm crescendo (sendo sovadas).

Levanto-me, viro a página do livro da menina, ajeito sua cabeça confortavelmente, faço o mesmo com o sapo e a tartaruga. Eles parecem olhar-me com gratidão agora.