Está nas pontas dos dedos de Ingra e Ana o que as une. Se à primeira coube nascer no interior da Bahia e, à outra, o destino reservou o Sul do País, é quando fazem vibrar as palhetas do bandônion que as diferenças se anulam e evidenciam-se, numa dança de tradição e diversidade que pode confundir incautos olhares. Veja o traje germânico a emprestar graça e tradição à morenice de uma e à alvura de outra, tornando-as dois prismas de uma mesma cultura; que tal o arco de flores na cabeça a emoldurar os cacheados de Ingra e o rútilo loiro de Ana? Ou o som alegre que se forma a partir da pressão dos pequenos dedos de ambas sobre os botões do instrumento? E o movimento gracioso dos braços a pressionar o fole para gerar uma sequência de semitons que leva ordinários e descompassados a saltarem numa dança típica?

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Ana Letícia e Ingra Santos têm aulas de bandônion e fizeram parte de uma reportagem do jornal “A Notícia” sobre a Bierville, festa tradicional alemã que integra o mês das festas catarinenses. Se, à primeira, o gosto pela cultura germânica vem de berço — Ana é a décima neta de um bandonionista e a primeira na família a se interessar pelo instrumento após seu avô; para a segunda, o apreço veio em forma de paixão, quando teve o primeiro contato com o bandônion em sua escola. Ingra tem prazer na descoberta diária sobre a cultura alemã e, por sua dedicação e ensaios, é admirada pelos familiares que residem na cidade e canal de encontro entre o Sul e o Nordeste, ao brindar com suas experiências a expectativa dos que ficaram em Itiriçu.

Ao saber de suas histórias e pôr os olhos na foto feita por Salmo Duarte, ressurgiu em mim uma réstia de esperança em tempos tão bicudos — em que o dessemelhante é rival e as diferenças são transgressões — de que é possível o encontro e o apreço entre diversos, o aprendizado e a troca, o abraço franco a unir tons de pele. Ingra e Ana talvez não tenham ideia da intolerância que anda pelo mundo e nem de que sua música pode fazer mais por nós do que os incontáveis conceitos e teorias lograram em milênios de existência humana.

Ergo meu caneco e faço um brinde à diversidade! Prosit!

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