Chegou com um ar vitorioso, que há muito eu não via. Nas mãos, uma folha branca; ao centro dela, contornos de pulmões e, dentro, não havia manchas a alertar problemas. Virou-o com os dedos e colocou perto de meus olhos. Dentro dos pulmões desenhados havia gérberas, zínias, margaridas, bocas-de-leão e petúnias, como um jardim ao ar livre, e quanto ar livre! Acima da ilustração, em letras grandes, leio: “Certificado de Conclusão – Grupo de Abandono do Tabagismo”. Logo abaixo, o nome dele, que une os nomes dos avôs materno e paterno, seguidos pelo sobrenome. A frase a seguir é de reconhecimento: “Parabéns, José Domingos de Arruda. Parar de fumar é uma grande conquista!”
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Meu velho, meu querido, meu amigo é de um tempo em que não fumar era cafona, que trazer o cigarro à boca e cerrar levemente as pálpebras ao tragar transformava o mais comum e despercebido mocinho em ator hollywoodiano. Daí às conquistas, eram mais algumas tragadas e um papo jovem guarda. Mais tarde, um homem sobre um cavalo, num cenário de montanhas, era o que se tornava quem fizesse a ponta do cigarro avermelhar-se e lançar a fumaça aos ares. Isso dava um quê de poder, de emissão solene. Por dentro, muito estrago.
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Por mais de sessenta anos, meu pai fumou, tentou parar quando o vício era quase imbatível, foi derrotado duas vezes e de forma sorrateira: “Quando vi, estava com um cigarro na mão de novo, não lembro de onde veio, nem quem me deu”, disse, após voltar a fumar quando soube do acidente automobilístico de um dos filhos.
Hoje, ele entrou em casa de posse de um certificado com o desenho de uns pulmões floridos e havia flores nos seus olhos também, e um jardim em seu sorriso também. Postou a foto no grupo de um aplicativo que reúne os membros próximos da família. Em meio às felicitações e mensagens de carinho, uma nova mensagem traduz sua luta e seu empenho, diante de uma cardiopatia que o acompanha há muito tempo: “Isso é porque eu quero ficar mais tempo com vocês, que amo muito”.
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A batalha ainda não terminou, o vício é traiçoeiro e está à espreita, mas sua vitória de hoje fez relembrarmos o homem guerreiro e vitorioso que nos serviu de farol e que vai brincar, por muito tempo ainda, de vovô com nossos filhos no tapete da sala de estar.