Ela se aproxima e não há o que a faça parar. Espreita-o e avança lenta e inevitável. João vai morrer e não há nada que possa impedir. Um sopro de vida em outra ala: prematura, Cecília ouve música, ela vai viver. João sente dores, mas o médico não lhe dá remédios porque o fígado está fraco e um quadro de falência do órgão é iminente. Uma mulher observa compadecida. Porque é Cláudia, tem solidariedade no olhar; porque é Quintana, tem poesia na alma. E é poesia que ela prescreve em seu trabalho diário de lidar com pacientes terminais.

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Cláudia Quintana era terceiranista da Faculdade de Medicina da USP quando viu João padecer. Ao perguntar sobre a possibilidade de medicar o paciente para reduzir seu sofrimento, ouviu do professor que se tratava de um caso terminal. “Não há nada a fazer”, disse ele. Ao que ela respondeu: “Se não tem mais jeito, por que deixá-lo sofrer?”

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O cuidado paliativo busca o conforto e o bem-estar do paciente terminal. É oposto à obstinação terapêutica, em que todos os recursos tecnológicos são usados para manter a sobrevida, independentemente de sua qualidade. Segundo Cláudia Quintana, há muita gente morrendo mal.

Não é raro vermos médicos tão focados no quadro clínico, que esquecem que a doença habita um ser humano. Cláudia é Quintana por coincidência e mantém o blog Prescrever Poesia, no qual publica textos como este: “No avesso de um carinho / Sonho que teus cabelos acariciam meus dedos / Encosto meu peito nos teus ouvidos / E teu coração me conta, marejado de amor. / É no alto da noite que a tristeza mais silenciosa vai chegar hoje / A saudade me despertará / De qualquer lado que eu viva hoje / O outro adormecerá vazio”.

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Guilhermo Santiago, músico primoroso, desenvolveu um trabalho que consiste em criar músicas a partir do batimento cardíaco da mãe e colocar na incubadora, para que a criança prematura se desenvolva. Soube que os resultados foram incríveis.

A poesia de Cláudia Quintana e a música de Guilhermo Santiago, embalados em programas pela vida, me fazem pensar no quanto somos arte a suplantar carne e medo. Que a ciência nos aponte o caminho, mas que nos permita emoldurá-lo com flores.