A não ser pelo valor da passagem, o deslocamento via transporte público é um grande barato. Fazia tempo que não chacoalhava dentro de um ônibus. Como isso fará parte do meu cotidiano doravante, nos dias em que chove, ou que por languidez não aspire a pedalar, tratei de estruturar-me com a tecnologia disponível, coisa inexistente quando os ônibus da cidade eram azuis ou marrons: instalei em meu telefone um aplicativo que informa linhas, horários, percursos e tudo o que preciso saber para chegar a qualquer destino.

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Pois bem, no domingo, seguia da zona Sul para a zona Norte. Por opção do aplicativo, fiz baldeação no terminal do Centro. Enquanto aguardava o horário da partida, ouvia um homem pedir em altos decibéis dinheiro para comer, se hospedar ou pagar a passagem para outra cidade. Confesso não ter conseguido identificar o que ele realmente pretendia. Fosse só o pedido, talvez metesse a mão no bolso em busca de uns trocados, mas o cidadão resolveu dar lição de moral em quem não contribuía dizendo que, “se Deus quiser, vocês não vão precisar nunca pedir, mas, se precisarem, as pessoas vão ficar no celular, sem dar atenção, aí vocês vão ver. Mas Deus abençoe, é, Deus abençoe, porque vem aí uma tempestade solar, que vai acabar com tudo. É. Deus abençoe”.

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Enquanto o homem falava, um grupo se aproximou. Antes de subir, um senhor calvo parou diante da escada e olhou-me demoradamente. Talvez se perguntasse o que estava havendo, mas não movia um músculo para indicar o que lhe vinha à mente. Desviei o olhar e, quando voltei a olhá-lo, ainda me encarava, inerte. Constrangido, desviei novamente o olhar e deparei-me com duas moças muito falantes.

Pela janela, via, na calçada, um mulher que começara a tocar violino. Sem vê-la, uma das moças comentou: “Tem alguém tocando piano”, ao que a amiga gargalhou, porque vira a musicista pela janela do ônibus. “Que piano, guria! Ela tá tocando cavaquinho”. Um senhor que estava ao meu lado informou que se tratava de violino o instrumento da mulher, ao que os passageiros riram em uníssono, esquecendo-se do homem que pedia e da tempestade solar que há de exterminar os que não têm ouvidos.

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