Jura Arruda: Odair, o andarilho

Termino o livro e fecho-o. Olho pela janela do ônibus, ainda com as imagens do que acabara de ler sobre um gato que pressente a morte e posta-se ao lado do moribundo até o desenlace, história real de Oscar, um gato de uma casa de repouso nos Estados Unidos.

As árvores da estrada parecem correr em caminho inverso para fugir das nuvens negras que se formam à frente. A paisagem verde é interrompida por uma placa onde leio que o Sinuelo é o posto mais bonito do País.

– Moço – ouço um rapaz sentado próximo a mim, do outro lado do corredor – Posso perguntar uma coisa?

Assinto.

– Você conhece a lenda do Sinuelo?

Respondo que não e, interessado pelo que viria, inclino levemente o corpo em sua direção. Ele pede licença e vem sentar-se ao meu lado.

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– Há muito tempo, a filha do dono do Sinuelo sofreu um acidente. O carro caiu de uma ponte e embocou em um rio. Dois andarilhos que passavam, tiraram as roupas e pularam. – Falava e olhava-me nos olhos esperando reação – Eles quebraram o vidro com uma pedra pontuda. Os paramédicos chegaram e conseguiram salvar a moça, mas não tiveram tempo de salvar o homem que dirigia. O dono do Sinuelo fez uma promessa aquele dia, que não ia nunca na vida negar um prato de comida para um andarilho.

Olha-me nos olhos com seriedade:

– Quanto vale a vida de um filho? – Faz longa pausa e continua – Quando vale um prato de comida? Um prato de comida? – encolhe os ombros em questionamento – pode ir lá, que você vai ver. É só chegar e pedir, que eles dão.

O ônibus se aproxima de Barra Velha, estou curioso e pergunto há quanto tempo ele está na estrada, responde que faz quatro meses e que já conheceu muitos lugares.

– Então, há quatro meses, você decidiu conhecer o mundo?

– Não, eu decidi conhecer as pessoas.

Não verifiquei a veracidade do que ele me contou, talvez seja verdade ou, talvez, eu estivesse diante de um grande contador de histórias. Nos despedimos com um longo abraço e ele seguiu seu caminho.