Que tudo é relativo, já não tenho a menor dúvida. Cada olhar traz seus próprios filtros históricos; cada circunstância sugere uma visão particular. Visto de um determinado ângulo, o objeto pode revelar nuances obscuras do outro prisma. Deixemos de lado termos e teorias. Nas próximas linhas, vou expor o que me trouxe a tal assunto: o Vitinho Cabaça.
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Nome no diminutivo por causa da estatura. Cabaça, o porquê ninguém sabe, mas sugerem alguns que é uma mistura de cabeça e cachaça, as duas coisas que Vitinho tem acima do pescoço. Dorme o moço no presídio, desde sua última investida a bens alheios. Preso em flagrante, foi para o xilindró, que anda tão repleto de nem tão espertos larápios, que não há data para julgamento e deve permanecer lá por tempo indeterminado. Vitinho, porém, tem mestria na arte de escapar, e não há modo de detê-lo. A cada novo amanhecer em que se descobre a fuga do tal, policiais se olham resignados.
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A última escapada de Vitinho foi há três dias. Angustiado e abstêmio, decidiu que era dia de beber da bendita e deitar-se com uma desdita qualquer. Aguardou o momento certo, seguiu em passos leves sob sombra e proteção divina, que ele é meio apegado ao seu bom Deus. Saltou muro ou mergulhou em buraco, ninguém sabe, e ganhou as ruas da cidade. Bateu a poeira, ajeitou a camisa e seguiu rumo à efêmera felicidade que lhe cabia na noite.
Se fugir do presídio foi fácil, menos difícil fora saltar o muro de uma casa simpática da periferia. Deixou a residência com uns poucos trocados no bolso e um celular da TIM. Vagou um pouco e chegou a um bar apropriado para seus trajes e intenções. Pediu uma e outra e outras. Conheceu Miúcha, mulher magra de aparência dócil e doente. Trocaram olhares e juras de que um pagaria e a outra se entregaria sem recato ou pudor. Cambalearam até local apropriado e entregaram-se, por incontáveis minutos, ao prazer. Lascivos, porém exaustos, cada um tomou seu caminho, e o caminho de Vitinho Cabaça era vago e desaconchegante. Olhou para a Lua e para si próprio, torto e suado. Felicidade se escondeu. Não tinha para onde ir. Sacou do bolso o celular da TIM e ligou para a polícia: “Ei, aqui é o Vitinho, fugi ontem e estou aqui na rua tal. Vou me entregar, alguém pode vir me buscar?”
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De carona, reclamou das sirenes apagadas. No presídio, sorriu ao ver Antonio Mata-soldado deitado na cama ao lado da sua.