Foi um dia de festa, como devia ser. Os materiais ficaram na sala de aula, repousados nas cadeiras de seus donos. No pátio, o professor tentava organizar em fila os irrequietos alunos. Por trás do prédio de dois andares, o Sol aparecia como um menino a bisbilhotar por cima de um muro. Nas mãos do professor, uns papéis traziam os desenhos escolhidos pelas crianças para comporem a arte do muro da escola.

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O portão se abriu e as crianças seguiram para a calçada, munidos do desejo de, num passe de mágica, descobrirem seus talentos e colorirem o muro da escola com desenhos irretocáveis. Aos poucos, o que era muro branco foi ganhando formas, o Sol ergueu-se além da construção para ver melhor e viu. Viu crianças colocando suas energias em favor de algo muito grande, dando ao muro duro e intransponível ares de tela artística.

Os dias se passaram e cada etapa de pintura do muro foi cumprida com louvor. O professor e a diretora fizeram discurso de agradecimento no pátio. Cada um dos alunos que participou da pintura sentiu-se feliz e realizado. Não, não fora pintada nenhuma obra-prima, mas tinha gosto de transgressão e mundo melhor, tinha gosto de mundo afora, de mil possibilidades.

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Ir para a aula tornou-se, nos dias seguintes, coisa boa de se fazer. Passar pela calçada roçando a mão no muro pintado era quase litúrgico. E sempre havia sugestões de ajustes ou novos desenhos dos quais o muro precisava. As aulas de artes passaram a ser momentos de suprema criação, e a papelaria da frente via seus estoques de papéis e tintas se esgotarem. Os professores se perguntavam: qual era o motivo para tanto entusiasmo? Ainda sem perceber o que uma aula do lado de lá do muro pode causar. Na rua, os pais orgulhosos apontavam para os desenhos, indicando que aquele traço ou aquela tinta fora aplicada por seu filho. Não era pouco o que representara aquela atividade de dar cor a um muro de escola.

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Acontece, e sempre acontece, que os donos do poder não entenderam a beleza daquela confusão de cores e pintaram o futuro de cinza. Hoje, o muro voltou a ser um muro, intransponível e feio.