“Sou Miguel, de alcunha Pampa, polvo em mim pela raiz. De campo e terra, quem me dera! N?algum porto fui feliz.” Repeti esse trecho pelo menos trinta vezes antes de entrar em cena. Ouvia, da coxia, a plateia, o burburinho de assuntos trazidos da rua, de quem tinha a alma leve para apreciar o teatro. Do lado inverso, atrás da rotunda, eu tremia de ansiedade, ou mais de medo, ponderava sobre ser necessário estar ali, quando podia estar em casa vendo um filme ou lendo um livro… Sou Miguel, de alcunha Pampa…
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Ao meu lado, outros atores, não lembro quantos, pelo menos 16, riam ou repassavam textos ou ajustavam o figurino. Eu tremia… De campo e terra… Ou seria de guerra? Ou alma e glória… Foge-me agora, como me fugiu certa vez. Quem me dera! N?algum porto fui feliz.
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O palco, em formato de arena, me recebeu com luzes de velas. O prólogo, uma página de texto que eu mal compreendia, mas tinha convicção. Ah, Carlos Nejar, de onde vem tanta palavra inédita? Na última cena, Cristiano Navarro e eu, sobre uma barca. Ele, um padre; eu, Miguel. Terminava minha participação e a peça deitando a cabeça e cerrando os olhos.
Foi o Cris que me mandou as imagens de cartaz, programa e ingresso no WhatsApp na noite passada. 1992, quanta lembrança! Quanto cheiro de tecido e mofo, de pasta d?água e sonho, de medo e deleite. A estreia foi no teatro do Sesi, na Ministro Calógeras; os ensaios eram no Círculo Operário, sob direção de Luiz Alberto Corrêa (Poeta). A trilha sonora, de Guilherme Santiago, quanta saudade!
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Depois disso, virei ator bissexto. Por convite ou marra. Até saltar, definitivamente, do palco para a dramaturgia, d?onde folgo em ser espectador, por mais que haja apreensão e o temor de que o texto não seja apreciado ou que não faça sentido.
Cristiano e eu planejamos um encontro para relembrar os velhos tempos e, quem sabe, arriscar uma leitura dramática da cena da barca, da morte de Miguel. Que seja em breve este encontro, porque, ao contrário de Miguel Pampa, o vendedor de tempo, eu insisto em tentar retê-lo para sempre.