A Milena anda fechando as portas para eu não sair. Foi depois de terça-feira, dia em que ela entrou aos prantos, me pegou no colo e me apertou até quase eu perder o ar.
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– Não posso te perder, não posso! – ela exclamava, como se eu fosse embora sem aviso.
Eu sempre voltei, mas ela parece que não quer arriscar. Outro dia, esqueceu a janela aberta e eu pulei, mas mal consegui chegar ao muro, ela veio veloz como um raio e me segurou pelo couro, não tive tempo de reagir. Voltei à sala, dei uma volta, amassei a almofada e me deitei, sem vontade e sem entender tanto zelo.
Sinto falta do Pelé. Ele não era de muita interação, mas me sentia confortável ao seu lado. Apesar de que depois do sumiço da Luna, ele passou a se isolar aqui na casa. Outro dia, a Milena veio com ele no colo dizendo:
– O que você tem, Pelé? Onde já se viu ficar dentro do guarda-roupa o dia inteiro? –
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O Pelé só miava, sem sentido, sem argumento. Ela o deixou no sofá, como se ele fosse ficar, mas não demorou muito e o bichano saiu pela porta do fundo; a Milena, na lavanderia, não se deu conta. Minutos depois ouvi o grito de terror dela:
– Meu gatinho, meu gatinho! Quem fez isso com você? – fui até o quintal para ver o que tinham feito com o Pelé, mas a Milena o escondia, amassando-o contra si.
Soube depois que mais onze gatos haviam sido envenenados ou feridos na região.
Minhas escapadas pela Lindoia, Sol e Santa Branca rarearam, porque Milena deu para fechar as portas e porque não estou disposto a descobrir quantas vidas tenho. Não lembro de ter perdido nenhuma das sete, mas e se eu for gato de uma vida só? Prefiro sorver um bom pires de leite, brincar com a bolinha de borracha que ganhei da Eloísa e ver televisão, bem seguro aqui dentro. Assisto a desenhos com os pequenos, mas prefiro os programas que o Cristiano assiste na Discovery.
Há um canto, entre a cozinha e a lavanderia, em que posso tomar banho de sol na maior parte da manhã. Não é como pular o muro e andar pela rua, mas não deixa de ser um alento, em uma casa trancada. Quando preciso de atividade, salto nas roupas do varal até derrubar uma peça. A Milena quase quer me matar, mas sei que não vai. Se ela quisesse, abriria a porta para eu sair e morrer envenenado. Há monstros lá fora e, sendo eu gato de uma vida só, não poderia estar em melhor lar do que aqui, com a Milena e o Cristiano.
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