Pilhou dois candelabros de ouro e saiu em disparada. Não foi suficiente a benevolência do padre que lhe oferecera na noite anterior refeição e boa cama. Sem remorso, tomou para si as duas peças que lhe renderiam bom lucro. Incauto, foi pego duas quadras depois.
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O policial, católico de missa e flagelo, reconheceu os candelabros e levou-os de volta tilintando em uma das mãos, enquanto trazia preso a si em par de algemas o larápio. O padre reconheceu o ingrato e suas peças, mas entendeu que mentir era atitude mais cristã naquele momento do que falar a verdade.
– Entendo sua preocupação, filho, mas não se trata de furto, eu ofereci essas duas peças a este pobre diabo, para que recomeçasse sua vida com alguma dignidade.
Um tanto descrente, o bom policial soltou o homem, que partiu com os candelabros nas mãos e mil indagações na mente. A história acima é tal qual o início de “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, lançado em 1862 e que se tornou um clássico da literatura mundial.
Contudo, e não posso omitir tal informação, o caso narrado acima não se passou na França, mas na Catedral Diocesana São Francisco Xavier, dois meses após sua inauguração. Ia o ano de 1977 quando um dos operários que ajudaram a construir a bela arquitetura em forma de concha, no centro de Joiville decidiu levar consigo uma lembrança do local.
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Acontece que, ao contrário de Jean Valjean, da obra de Victor Hugo, nosso pobre homem, de nome João Vargeão, foi condenado à prisão por outros crimes de maior prestígio. Não era um bom momento para se estar preso, nem para pedir clemência, mas ainda que não houvesse a visão humanista do Dr. João Marcos Buch, João Vargeão pode o quanto quis dedicar-se à leitura atrás das grades, coisa que fazia a maior parte do tempo em que passou trancafiado.
E não é que foi cair nas mãos do homem justamente o livro “Os Miseráveis”? Deslumbrado com a leitura e dominado pela magia daquelas letras que se acumulavam em páginas de um papel amarelado, João virou Jean, Vargeão virou Valjean, Joinville virou uma cidade francesa, uma Joinville Le Pont, um pedaço da Europa do Século XIX.
Foram poucos os meses que João ficou preso. Bem comportado e com pena leve, saiu numa manhã ensolarada de verão e ganhou rua. A passos largos, cheio de orgulho e gratidão, voltou à catedral e abraçou com devoção o padre Bertino. Era um novo homem. Em quem uma história clássica ganhou morada. Foi visto pela última vez percorrendo o parque da Expoville ao gritos. Chamava por sua filha, Cosette.
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