Quando Benta abriu o portão, deparou-se com uma pequena pedra que parecia ter manchas azuis. Sacou os óculos da cabeça e ajustou-os sobre o nariz. Viu que não eram manchas, mas letras. Pegou a pedra com delicadeza, como se fora uma arqueóloga diante das ruínas de uma antiga civilização. Trocou de mão, virou-a em todas as direções, examinando-a cuidadosamente. As três letras dispostas como pontas de um triângulo não lhe diziam nada. Olhou para um lado da rua, depois para outro, na vã esperança de encontrar resposta ou o dono daquela brincadeira.
Continua depois da publicidade
Talvez não tenha sido bem assim. Quem viu a pedra com letras pintadas em azul foi seu Raimundo, quando passou em frente à casa de dona Benta. Como ele encontrara pedra semelhante em frente à sua casa, interpretou como sendo caso de polícia. Astuto ou paranoico, acreditou tratar-se de ação de quadrilha para indicar a comparsas as casas mais vulneráveis a arrombamentos. Bateu palmas e viu Benta sair com uma pano de prato no ombro e uma xícara na mão. Avisou-a do perigo e decidiram postar fotos na internet para avisar à comunidade.
Confira notícias de Joinville e região.
Talvez também não tenha sido assim. Quem sabe fora coisa da molecada, que apostou ou fez promessa e anda agora a colocar pedras pintadas com códigos só decifráveis aos meninos, numa brincadeira muito criativa. Ou foi coisa do Gabriel, que começou essa história toda quando pintou uma letra G, uma N e uma L na pedra, como se talhasse árvore e com o único objetivo de demonstrar à Nicole, filha de Mariana, seus sentimentos. A menina certamente ignorou-o com convicção, mas gostou da ideia e gravou outras letras em outra pedra, para Giovânio, filho de Raimundo, que, por sua vez, mandou mensagem a Nezinha, sobrinha de dona Benta, que agora está no muro junto à tia, quieta, divertindo-se das conjecturas dos adultos.
O fato é que a polícia ficou sabendo, analisa o caso, mas não relaciona recentes arrombamentos com as pedras deixadas nas frentes de certas casas da rua. O bairro Boehmerwald está diante de um enigma, que tanto pode causar dor de cabeça dos vigilantes, apreensão aos moradores e diversão à garotada. Um dia, talvez saibamos do que se trata. Enquanto isso, o assunto vira debate em bares, conversas de portão e matérias de jornal.
Continua depois da publicidade
Mas, como anda tão insólita a vida por aqui, tendo a crer que seres mais desenvolvidos, num futuro não muito próximo, encontrarão as pedras e perder-se-ão em mil teorias sobre nossa primitiva sociedade, confundindo nossos cérebros com os da Era da Pedra Lascada.