Há uma mosca sobrevoando o tapete. Não consigo entender o motivo da existência dela. Parece gastar tanta energia voando em círculos, desenhando o símbolo do infinito no ar, sem chegar a lugar nenhum. Pousa em mim, afasto-a e levanto. Já é noite lá fora, tenho que ir para a esquina, onde alguns homens farão graça, outros proporão uma saidinha rápida, outros, ainda, em seus carros elegantes, estacionarão e abrirão a porta, quase cavalheirescamente. Entre idas e vindas, ficamos a noite inteira, até que a alvorada nos faça, abnegadas e enfraquecidas, voltar para casa, onde a mosca ainda estará, dessa vez pousada na quina da mesa, sugando um resto de café derramado.
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Passa das oito da noite. Monique está diante do espelho, retoca a maquiagem, ajeita o cabelo, passa os lábios na língua, conferindo o batom. Bate levemente uma esponja sobre uma lata esférica e leva-a ao rosto, aplicando um tipo de pó em golpes leves e rápidos. Ela precisa disfarçar o azulado da barba que a definitiva não escondeu. Afora isso, tem um rosto delicado, o nariz muito bem desenhado e um olhar cativante, talvez sua arma mais poderosa. Ele levanta-se e vejo que está usando short preto e meia-calça arrastão; é possível ver as dobrinhas de suas nádegas.
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Vamos caminhando até a esquina de uma das ruas movimentadas da cidade. Ela dá um último retoque em sua montagem e se posiciona. Eu deito ao seu lado e observo. Estou atento a qualquer perigo iminente. Temos sinais combinados: um latido meu e ela aumenta o nível de atenção; dois latidos é um pedido para atacar. Se ela diz para eu ficar quieta, é porque não há perigo. Recolho-me e apenas observo. Mas se ela me olha, como já o fez várias vezes, com angústia, avanço para protegê-la. Tem sido raro por esses dias. Mas não é raro chegarem clientes, muitas vezes durante a noite. Monique entra no carro e me deixa. Nesse momento, vou revirar uns sacos de lixo e caminhar pelos arredores.
Posso sentir quando ela está voltando, então disparo em direção à esquina, onde a encontro. A cada retorno, ela volta com o olhar mais turvo, com o ombro menos ereto. Mas ela sempre volta.
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