Jura Arruda: Dignidade e eleição

Dignidade, seu moço, não veio de berço, foi conquistada. Do berço, veio a pele escura e indigna. Do berço, herdei fome e futuro incerto. Quem aqui nasceu digno de vida fácil? Ninguém, não, senhor. Dinheiro sempre passou longe, instrução sempre passou raspando. A cabeça só servindo de apoio pra lata d?água, porque não havia ideia que florescesse, nem esperança que desse fruto. Mas o senhor sabe que cachorro vira-lata é mais forte, mais avesso a doença, mais duro de cair. A gente foi conquistando um pouco aqui e acolá, por mérito e por ajuda. Nem tudo que é político é sem-vergonha, não, senhor. Tem uns tantos aí que fazem por merecer o cargo que têm. O povo joga tudo no mesmo balaio porque tá cansado de promessa e desilusão. Mas teve gente que olhou pra nós e, aos pouquinhos, a gente vai deixando a miséria.

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Notícia que nunca chegou tá chegando agora aqui. Tecnologia é coisa boa, né? Parece que junta a gente com o mundo todo. Mas, como dizem, notícia boa é notícia ruim, daí que chega notícia ruim demais. A última diz que 62 pessoas no mundo têm mais dinheiro que outras 3,6 bilhões. Nem sei contar quanto é isso, mas é muita gente. É muita gente pobre dando a vida pra não morrer, o sangue por um pouco de dignidade, enquanto um tantinho de gente guarda tanto dinheiro. Pra que, meu Deus? Que sentido faz isso no mundo? Minha mulher disse que é porque eles conquistaram, porque mereceram. Eu acho que quem ficou rico dignamente merece, mas merecem a miséria os outros 3,6 bilhões? É Deus que aponta o dedo e escolhe? Aquela atriz negra com nome de instrumento falou que o que diferencia a mulher negra da branca é a oportunidade. Aqui nesta terra, a oportunidade passa longe. A gente tem que ir buscar oportunidade, esperança e dignidade sabe lá onde.

É difícil olhar para o mundo e saber que é tudo tão injusto, porque minha pele pega mal, porque não sei falar palavra difícil, porque preciso do olhar caridoso das pessoas e do governo. Mas tá mudando. Vai mudar mais ainda quando as pessoas entenderem que a gente não é bicho, nem indigno. Talvez demore pra ficar mesmo bom, mas a gente tem que seguir em frente. Por falar nisso, este ano que é ano de eleição?