Jura Arruda: Dick Vigarista

O Renato, por falta de tempo ou extremo incômodo, resolveu fazer um levantamento das postagens nas rede antissociais, como gosta de chamar. Virou a noite e parte da manhã de sábado lendo, analisando e classificando as postagens de sua linha do tempo. Descobriu que se fala sobre qualquer coisa na internet, mas que algumas postagens são recorrentes, como frases de efeito, vídeos engraçados, desgraça alheia e cartões de datas comemorativas. “Muito lixo eletrônico!”, exclamou, lá pelas duas da manhã. Às 2h02, percebeu que quase 90% de tudo o que viu não eram postagens originais, mas compartilhamentos de criações alheias. Mudou o foco e retomou análise. Dos mais variados compartilhamentos que analisou, percebeu que uma quantidade considerável era notícia falsa ou boatos deliberadamente postados.

“Essa coisa é uma fábrica de boatos! Se reflete o comportamento humano, estamos perdidos”, falou em voz alta às 3h52 da manhã. Curas milagrosas, perigos climáticos, acusações descabidas, insultos, ódio, racismo, ataques a minorias, vê-se de tudo, e uma quantidade muito acima do aceitável de postagens vomitando mentiras. Chegou-se tão longe que já se tem informação de notícias (estou falando de notícia de veículo sério) desmentindo boato. Deu para entender? Os boatos soltos na internet estão gerando notícia, quando notícia é que deveria estar sendo publicada nas redes.

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Encontrei-me com Renatinho no almoço de sábado. Tinha olheiras enormes e um amargo na voz. Tentei argumentar que há muita coisa boa também no mundo digital e que, no fundo, no fundo, o ser humano é do bem. Ele deu um trago longo no copo de cerveja, coçou o pescoço e me perguntou se eu lembrava daquele desenho da década de 80 ou 70, que era uma corrida. A Cor- rida Maluca, respondi.

– Então, meu caro Arruda, a impressão que tenho é de que es-tamos disputando essa corrida, mas em vez de um, há milhões de Dicks Vigaristas jogando boatos na pista para nos atrasar. E estão atrasando o Brasil, Arruda. Estão ven-cendo essa corrida diabólica.

Almoçamos em silêncio, estamos em silêncio desde então.