Foram tempos de renúncia e contenção. O emprego obtido por meio de um sistema de estágio rendia pouco mais de um salário mínimo. Cursava a faculdade de jornalismo e tinha acabado de mudar para uma quitinete. O fogão, de duas bocas, fora preso à parede da cozinha; o botijão era dos pequenos, de acampamento. Um sofá-cama azul, comprado em suaves prestações na Casas Bahia, dividia espaço com uma rede, capricho para as tardes de leitura. Uma bicicleta, também adquirida a prestações, era o meio de condução que desonerava o transporte de casa até o trabalho. Diante de tantas suaves prestações, o suave salário se esvaía na tentativa de sobreviver.
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Geladeira não havia, portanto, as compras dos perecíveis eram feitas no dia, para o dia. O Mercado Público era caminho entre trabalho e casa, o que permitia uma parada para a compra de um bife ou 150 gramas de carne moída. Arroz e omelete acompanhavam. Não era raro ter que ficar no trabalho e não poder almoçar em casa. Nesses dias, dois pães com ovos faziam o serviço, mas em um desses meses que o dinheiro acaba e você não sabe para onde foi, restou-me uma nota (sim, naquela época havia) de um real. Orgulhoso, não dividi a situação com ninguém, fui a um posto de gasolina próximo e encontrei um pão de batata com recheio de frango e requeijão, pareceu ter sido feito sob encomenda para aquele real que trazia no bolso.
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Muito trabalho à espera, resolvi fazer a refeição no trajeto de volta à agência. Após atravessar a rua e chegar a poucos metros antes do saudoso Bar Tigre, encontrei um mendigo, com sua bicicleta repleta de badulaques. Sentado na calçada, observou minha aproximação e ordenou:
– Me paga um lanche!
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– Não tenho – respondi com certa culpa.
– Me dá esse!
Recuei, escondendo o pão de batata e fui incisivo:
– Eu não.
– Uh, seu miserável!
Passei por ele pensando no quão miserável eu era naquele momento, mas, diferentemente dele, não teria coragem de pedir para jantar.