Ele chegou minutos antes, sentou e aguardou ser chamado. Era a primeira vez que participava de uma eleição, era também a primeira vez que gravava um vídeo de tamanha importância. “Candidato, o senhor terá 24 segundos. Preparou um texto?”. Assentiu com a cabeça e tirou um papel amassado que guardava no bolso do casaco. A moça pegou o texto como uma atendente de fast food pega o tíquete para entregar o pedido. Deixou com o roteirista, que, antes de digitar, olhou com desdém para ele. “O senhor tem certeza que vai usar esse texto? Sinceramente, não acho que interesse ao eleitor quem é sua esposa”. Ele tinha certeza que queria o que tinha escrito.
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No estúdio, Waldir foi colocado sobre uma caixa de madeira para ficar na altura correta, forçou a vista e enxergou seu texto transcrito para o teleprompter, um equipamento acoplado à câmera para o discurso ser lido como se não estivesse sendo lido. Últimos ajustes na iluminação, áudio ok. O diretor gritou ação e Waldir teve a sensação de que ouvia a mãe ralhando com ele: “Ação, Waldir! Deixa de ser mole, moleque!”. Meia dúzia de pares de olhos aguardavam, ele respirou fundo e leu: “Sou Waldir do Tocantins, 47 anos, casado com a Maria…”.
O texto continuou com as promessas que cabiam nos 24 segundos e uma esperança de ter conseguido colocar no ouvido do telespectador as palavras certas para receber os votos necessários. Mas as palavras certas de Waldir do Tocantins foram exatamente as primeiras. Se receberá votos, não importa, porque Waldir tem uma Maria, que é a Maria dele, e que não podia faltar em seu texto, a Maria que vai abraçá-lo a cada inserção na TV.
Aos olhos dos produtores, Waldir era só mais um candidato cujo espaço foi-lhe dado pelo partido para preencher a nominata. Talvez seja, talvez ele receba algumas dezenas de votos e nunca mais concorra, ou pode ser que ele seja eleito e tenha a responsabilidade de entender os meandros da política para fazer seu papel. Na condição de redator de campanha, vi mais poesia do que discurso no texto amassado do Waldir do Tocantins, 47 anos, casado com a Maria.
Quantos homens não querem uma Maria? De nome igual a tantas, mas que é Maria de alguém. Não é fácil ser a Maria de alguém, mas ela conseguiu e tem todo o meu respeito. Não sei se darei meu voto, mas ele tem uma conquista muito maior em casa.
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Waldir chegou como candidato e se elegeu poeta.