Suas patas pisavam o chão de terra, deixando marcas que assustariam incautos. Kafkiano fosse, iria aos poucos dobrando meu corpo até repousar sobre as quatro patas e latir. Ousei a inveja de você, por querer ter seu porte. O olhar bondoso e os contornos de suas feições supunham amor. Bastou o primeiro olhar e eu já sabia que você era o cão perfeito. Yellow, sugeriu alguém, porque seu pelo tinha tons amarelados, mas você parecia com aquele cachorro do desenho, você era o próprio desenho que ganhou forma e virou o meu Scooby.

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Vocês eram em seis irmãos, com diferentes cores, todos muito bonitos. Mas foi você que saltou-me aos olhos. Suas patas brancas, enormes para um filhote, me fizeram decidir por você em pouco menos de um minuto. Eu beirava os oito anos e ainda não tinha o medo da escolha que hoje me consome. Era um domingo à tarde quando o levamos em uma caixa de papelão para casa. Lembro da festa de meus irmãos e, talvez, mal tenhamos dormido naquela noite, e mal tomamos café na manhã seguinte, e mal ouvimos o que a professora falava na aula.

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Seu cheiro e sua correria no quintal se tornaram inesquecíveis. Sempre tive a sensação de que você crescia na medida da sua velocidade no quintal. Cada volta a contornar a roseira e o pé robusto do comigo-ninguém-pode fazia-o aparecer um pouco maior do outro lado, e havia tanto charme em seu passo desengonçado, que eu quis agarrá-lo, com a energia daquela personagem de um desenho animado, só me faltou dizer que “eu queria te abraçar, te amar, te fazer carinho e te apertar”. Não disse nada, apenas tentei capturá-lo em pleno salto, puxei-o pela pata traseira e você foi para o gesso. Foram longos 45 dias, nos quais você dormiu na minha cama, que era o jeito de eu pedir desculpas.

Naquela época, eu não sabia que cachorros vivem tão pouco. E por não saber que você morreria, não tinha medo de perdê-lo. Acontece que, um dia, você ganhou as ruas e nunca mais voltou. Penso que partiu por ser muito bondoso e desejar evitar que sofrêssemos com sua morte, mas pode ser apenas que você tivesse o espírito livre.

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Não verei mais você, Scooby. Não o abraçarei até você se desvencilhar de mim, não darei mais banho em você e você não me molhará mais chacoalhando o corpanzil de fila misturado com dogue-alemão. Não vou sentir novamente seu cheiro, nem olhar em seus olhos o mundo que você habitava. Não sei para onde você foi, nem se foi tranquilo seu último suspirar. Minhas memórias fraquejarão e aos poucos você desaparecerá. Se me encontrar um dia, onde quer que seja, mostre-me seus olhos para que eu me lembre do quanto você foi importante. Por enquanto, adeus.