Jurei que ia apagar qualquer traço de lembrança de tudo que não posso mais tocar. As coisas que sonhei cada vez que vi você atravessar o pátio da escola, com um vestido solto, num desfile cigano. Queria ter uma borracha que apagasse tudo da minha memória. Uma igual àquela azul e vermelha de apagar caneta que um dia você me emprestou e eu passei a língua e você fez cara de nojo. Era a cara de nojo mais linda que eu já tinha visto nos meus oito anos de vida. Linda, negra, de olhos arredondados, cabelos difíceis de domar e a boca mais bem desenhada do mundo. Imaginei tantas vezes tocar seus lábios, você sabia? Nunca eu soube se você imaginava tocar os meus. Era final da década de 1970, para ser mais exato, era 1979.

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Além do dia do empréstimo da borracha, nunca nos falamos, até que o Ivan, que já tinha nove anos e namorava a Mardelene, que tinha dez, ficou sabendo que eu não tirava você da cabeça. Sem que eu pedisse, ele a procurou. Não sei o que disse, nem de que modo falou, mas você aceitou namorar comigo. Ele só me contou na saída, quando eu já estava próximo do buraco na cerca, por onde cortávamos caminho, lembra? Na parte de trás da escola? O chão sumiu, o oxigênio sumiu, minha coragem sumiu. Eu quis atravessar o buraco na cerca e sumir, mas eu queria tanto ter você como namorada, que fiquei. Você se aproximava sorrindo e eu era uma profusão de sentimentos, quase sem respirar. Você parou diante de mim com o sorriso mais lindo do mundo, sem dizer nada.

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Perguntei se era verdade, você respondeu que sim e eu flutuei por um ou dois minutos, até que você revelou em seguida que o namoro só duraria aquele momento, porque estava de mudança. Atravessamos de mãos dadas o buraco na cerca e nos despedimos sem beijo.

Passei anos observando acampamentos ciganos com a esperança de ver você novamente. Ah, se pudesse percorrer a imensa São Paulo atrás de você! Mas fui aos poucos a deixando partir. O namoro de poucos minutos, que atravessou a cerca e sumiu, virou quadro na parede de um corredor escuro, quase esquecido.

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Aceite esta carta de adeus tardia. O buraco na cerca já não existe, o portal se fechou. Espero que você esteja bem, agora que não vive mais na minha esperança de voltar no tempo e tocar suas mãos mais uma vez. Adeus.