Sol a pino, trânsito lento e um carro à frente a balançar freneticamente. Do canteiro central aproxima-se um homem que oferece sete panos de prato por dez reais. A coruja desenhada sobre o tecido branquíssimo se assemelha a ele, pelos olhos atentos ou pelo nariz adunco. Mal percebo que ele está aguardando uma resposta, faço que não com a cabeça e o cara de coruja segue na direção do carro de trás. Outro homem agora se aproxima, não me dirige o olhar, coloca sobre o retrovisor dois pacotes: um com balas de goma que me atiçam o desejo; outro com balas de hortelã que não me apetecem. Vencem as balas coloridas. Abro o vidro para deixar na mão do homem dois reais.

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O carro da frente balança e agora sei o porquê: há uma música estridente que ecoa dele. Lembro ter lido em algum lugar que “o volume de uma música costuma ser inversamente proporcional à sua qualidade”, é isso que sinto. O semáforo abre. Mais adiante há outro. Amarelo, vermelho… E não há tempo de cruzá-lo. O carro e a música chacoalham à minha frente. A letra é horrível e constrangedora. Não para ele, que dedilha o ritmo no volante. Sou acometido por um desejo de enfrentamento. Seleciono na minha playlist uma música de combate. As caixas acústicas do meu carro não têm nem de perto a potência das dele, mas isso não me abala. Ergo o volume, ligo a seta para a direita e avanço com o carro até ficar paralelo.

A música dele para repentinamente. Um transeunte que cruza da passarela Charlot ao Centreventos me olha com estranheza. Wave, do Tom Jobim, ganhou a parada. Olho convencido para o rapaz do carro ao lado, que me olha um tanto espantado. Levanto a sobrancelha e o encaro com soberba. O semáforo abre e ele segue. Quando ameaço partir, sou impedido por um guarda que está diante de meu carro, com o dedo em riste. Anota algo em um bloco. Aproxima-se da minha janela e entrega a multa: R$ 195,23. Questiono e ele responde: “Som audível do lado externo do veículo, norma 624, entrou em vigor no dia 2 de novembro”.

Guardo a multa na carteira. Do rádio, Tom Jobim muito jocosamente entoa: “Tristeza não tem fim, felicidade sim”.

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