Não foi no primeiro choro. Essa angústia que me acompanha começou depois, uns dias depois, e sempre esteve presente, a cada amanhecer nublado, nas tardes vazias de sábado e sol, no prestes a adormecer das madrugadas febris. Durante as brincadeiras no quintal, me faltava o parceiro, o adversário, o outro. Dei para inventar jogos em que eu era o time de azul e o de vermelho. Competia comigo mesmo, vencia e perdia.
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Nos tempos de escola, as amizades vieram em grande número. Por motivo que eu desconhecia, era muito bem aceito em todos os grupos. Agora, tinha parceiros e adversários, e tinha abraços e olhares, e tinha a moça mais bonita da escola que me apresentou Platão num sorriso tímido e me fazia companhia em sonhos. Havia tanta gente! Mas havia ainda aquela angústia; aquela saudade a encher o peito e sufocar a alma; aquele sentimento sem razão de ser; aquele eterno me sentir sozinho, como se não pertencesse àquele lugar ou àquele tempo ou àquela gente.
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O tempo foi passando, mas aquilo que me enchia o peito não. Na faculdade, quantas novas experiências, quanto mistério a desvendar, quanto mundo a conquistar! Depois, fui alguém na vida. E a vida deu-me mais do que eu sonhei. Deu-me a moça mais bonita da escola e os filhos mais desejados do universo. A vida deu-me as realizações, mas nunca tirou de mim a angústia de sempre, a saudade do que eu nunca soube. Havia muitos motivos para ser feliz e expandir, mas, sozinho, num canto da casa ou rodeado por amigos nos cantos do mundo, eu padecia do que não podia compreender.
Até hoje, quando cheguei aqui, nesse quarto, trazido por uma pequena parada no coração, como se ele dissesse para eu parar também; como se dissesse “me salve da sua dor; encontre de uma vez o que está procurando”. E então, quando me recupero, vejo entre os frascos de soro apoiados num suporte seu rosto tão familiar. Firmo a vista para ter certeza: você sou eu, mas o que eu faço aí em você? De seus olhos escorrem lágrimas e eu entendo: finalmente, nos encontramos. Você é a outra parte de mim, que se separou nos primeiros dias de vida. Você é o que me faltava, você é o fim da minha angústia, meu irmão.
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