Quando chegamos ao quintal, ele havia feito um enorme buraco, não em profundidade, mas em extensão. Para isso, usara uma picareta, ferramenta com duas pontas afiadas, própria para escavações. Ao ser perguntado sobre o que estava fazendo, respondeu, com acento forte na última sílaba, como costumava falar aos quatro anos: “Uma pisciná”. Mais tarde, jogou cacos de azulejo sobre o buraco, imaginando que bastavam buraco e azulejo para ser feliz.
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Um ano depois, após ter ganho algo em torno de R$ 2 nos dias de hoje, foi ao mercado. Voltou com meu mais inesquecível presente de aniversário: uma caneta Bic e um chiclete. Comprara dois chicletes, mas um era para ele. Seu coração generoso e sua sensibilidade são suas características mais marcantes.
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O tempo passou, descobrimos que nosso gosto musical, eclético e baseado em letras e sentimentos, era parecido. Quantas sessões musicais fizemos! Quantas vezes começávamos ouvindo Oswaldo Montenegro e Gonzaguinha e terminávamos ouvindo Jamelão e Núbia Lafayette, ou samba de raiz e moda de viola. Quando mudou-se para o litoral, nossos encontros passaram a ser esporádicos, mas sempre repletos de músicas e discussões sobre a vida e o que fazemos dela.
De irmão a compadre foi um pulo. Passamos o último final de semana juntos, em sua casa. Há uma certa desordem no quintal, uma horta ao fundo e um barraco no meio, onde ele guarda dezenas de coisas de madeira e metal. E há um flamboyant, um sonho antigo que há pouco realizou. Já alcançou a altura de 2 metros e, em questões de sombra, mostra-se promissor. Ainda sentamos ao sol para observá-lo. Certa-mente, um dia estaremos protegidos por sua sombra.
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Parece-me que ele desistiu da ideia da “pisciná”, mas sei que jamais esquecerá de como é simples ser feliz, tanto quanto um sonho de criança, tanto quanto uma caneta e um chiclete para presentear o irmão que faz aniversário. O chiclete saboreei mais que o bolo da festa; a caneta tornou-se minha ferramenta, que uso para construir minha “pisciná”, para plantar meu flamboyant e para nunca esquecer de como a vida é feita de coisas simples.