Tenho uma amiga que mora ao pé da serra, onde a mata atlântica é exuberante e sobrevive. Ela tem caldeirões e acende fogueira, ela faz tambor e bate tambor. Ela reúne pessoas que buscam algo além do que se vê. Nem tudo o que ela diz eu consigo compreender, porque tenho dificuldade de enxergar coisas invisíveis, como as que ela enxerga e sente. Mas acho admirável seu modo de vida e sua sensibilidade, que vão em direção às mais esotéricas paragens. Conta ela, em livro a ser lançado neste ano, que curou dor de ouvido com o canto de uma cigarra; que aprendeu a mexer os quadris na cozinha, entre tachos e panelas, com a mãe e a avó.

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Na semana passada, aconteceu mais um encontro em sua casa, em que doze mulheres reuniram-se com o objetivo de resgatar saberes ancestrais: a Oficina de Tambores. Reunidas e entoando canções, fizeram o trançado para unir pele e aro. Os tambores descansaram por dois dias, até emitirem seus primeiros sons e ganharem vida. A roda em volta de uma fogueira e o som do tambor são estranhos a quem vive tempos de crença tão somente no trabalho e na grana que ergue e destrói. Mas para as pessoas que vão à mata atlântica em busca de espiritualidade, há magia e reencontro.

Em trecho de seu livro, minha amiga explica: “O tambor marca o pulsar do coração. E para afinar o pulsar de um coração com pulsar do coração da Terra, o ritmo deve ser construído em roda, como já diziam os índios, no pulsar de outros corações que criam juntos um único som acentuado com um mesmo fluxo respiratório. É uma prática muito ancestral nos reunirmos neste propósito. Porque sentir o coração da Terra e pulsar junto com ele nos devolve a lembrança de que somos todos um.”

O tambor, diz ela, é um instrumento transcultural, permeia todas as culturas, seja indígena, africana, asiática ou europeia. Mas, digo eu, estamos tão absortos em nossas ideologias de conquistas e vitórias, que batemos descompassados os corações, ou sequer deixamos os corações baterem, esses tambores adormecidos no peito.

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