
Na última semana o STF protagonizou um debate histórico no que tange à privacidade e proteção aos dados pessoais. O plenário enfrentou a questão do compartilhamento dos dados das empresas telefônicas com o IBGE e referendou a medida liminar deferida para suspender a eficácia da Medida Provisória nº 954/2020 (a liminar havia sido concedida pela Ministra Relatora Rosa Weber em 24 de abril).
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Durante o julgamento, a Ministra Relatora citou a obra “1984” de George Orwell e o documentário “Privacidade Hackeada” para ressaltar o risco do uso de dados de forma negativa pela falta de critérios no tratamento (tanto pelo mercado, quanto pelos Estados). Além disso, segundo o voto proferido, a Medida Provisória não demonstrou o interesse público legítimo que justificasse o compartilhamento das informações entre as empresas de telefonia e o IBGE.
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A Ministra ainda apontou a generalidade da Medida Provisória, pois não estavam presentes a finalidade, adequação e necessidade do uso pretendido dos dados, bem como a ausência de elementos técnicos e mecanismos protetivos para o compartilhamento dos dados.
O Ministro Luiz Fux destacou que a Medida Provisória é de uma “vagueza ímpar”. Ressaltou que não existem mais dados neutros ou insignificantes e que dados pessoais (que identificam pessoas) possuem elevado potencial com a atual capacidade de processamento dos dados, de extrema valia ao mercado e ao próprio Estado.
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Conforme destaque do voto do Min Lewandowski: “O maior perigo para a democracia nos dias atuais não é mais representado por golpes de Estado tradicionais, perpetrados com fuzis, tanques ou canhões, mas agora pelo progressivo controle da vida privada dos cidadãos, levado a efeito por governos de distintas matizes ideológicas, mediante a coleta maciça e indiscriminada de informações pessoais, incluindo, de maneira crescente, o reconhecimento facial”.
Um dos destaques do voto proferido pela Ministra Rosa Weber durante o julgamento é a equiparação do direito fundamental à proteção de dados pessoais garantidos pela Constituição Federal, inaugurando tal entendimento na corte. O voto da ministra foi acompanhado pela maioria dos Ministros.
O julgamento ultrapassou o entendimento de que o dado precisava ser sigiloso para merecer salvaguarda. Ao contrário, declarou que, independente da natureza do dado, a simples identificação de uma pessoa (definição de dado pessoal) atrai a tutela constitucional.O elevado nível do julgamento demonstra o amadurecimento acerca do tema e inaugura uma nova fase nos debates doutrinários e jurisdicionais no Brasil. O posicionamento da maioria do Ministros evidencia que os princípios Constitucionais da carta de 88 não podem ficar obsoletos diante da evolução da tecnologia e da alta capacidade de processamento de dados. Sem sombra de dúvidas o julgamento em questão demonstra uma importante vitória dos direitos fundamentais e da própria democracia